quinta-feira, dezembro 31, 2009

AVATAR.

Um filme no mínimo muito interessante.
Em termos de roteiro, uma decepção ao cubo; apesar da nobre jogada politicamente correta da releitura do processo de colonização das Américas, redimindo o passado do cinema que endeusou aqueles que seriam os vilões, percebe-se claramente manjados clichês, por exemplo: o herói estrangeiro que desperta a paixão da princesa da tribo, provocando o ciúme do mais valoroso guerreiro nativo a quem está prometida.
Por outro lado, a reflexão sobre um possível contato com a vida extraterrena não tão hostil como aparece em Guerra dos Mundos é uma idéia subjacente, apesar de já ter sido explorada por Spielberg em ET e Contatos Imediatos.
Porém, em termos de fotografia, montagem editoração e efeitos especiais, uma inovação espetacular jamais vista antes na história do cinema.
Stanley Kubrick havia explorado em 2001, uma Odisséia no Espaço um dos mais significativos apelos dos anos 60: os psicodélicos estados alterados de percepção provocados pelo LSD de Timothy Leary, ou então a psilocibina e o DMT (ayahuaska) de Terence McKenna, esta última hoje acessível através das correntes religiosas que se fazem presentes nos grandes centros urbanos livres da repressão, e Avatar traz em um dos aspectos positivos de seu roteiro o pensamento que tais seitas tentam suscitar na sociedade atual: a conexão universal de todos os seres vivos a partir do vegetal e a necessidade de preservação do meio ambiente juntamente com a pluralidade de culturas, já que todos somos um – o autoconhecimento.
As tecnologias digitais associadas à genialidade e percepção artística dos fotógrafos envolvidos na obra trazem em Avatar, especialmente em sua versão 3D, um envolvente e extraordinário espetáculo que provoca uma profunda catarse em todos os que possuem um mínimo de sensibilidade à arte fotográfica.
Avatar: vale a pena... especialmente em 3D.
O trailer não mostra nem 10% da beleza do filme, mas para quer quiser vê-lo: http://www.avatarmovie.com/index.html .
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Douglas Gregorio.
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quinta-feira, janeiro 29, 2009

Campus Party 2009 - um verdadeiro Woodstock Digital.


Juventude: eis uma palavra que lembramos de forma constante quando estamos visitando a Campus Party 2009, que aconteceu aqui em SP, no Pavilhão Imigrantes, entre os dias 19 e 25 do mês de janeiro.
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Para aqueles que não sabem o que é o Campus Party, trata-se de uma idéia surgida na Espanha, nos anos 90. Tal como um “Woodstock digital”, dezenas, centenas, milhares de internautas do mundo todo, os chamados campuseiros se reunem num mesmo lugar, levando consigo seus computadores. Durante sete dias, o intercâmbio é intenso na medida em que transcorrem as palestras e workshops referentes aos 12 temas debatidos: CampusBlog, Games, Simulação, Modding, Música, Design, Fotografia, Vídeo, Desenvolvimento e Software Livre.
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Segundo o site oficial do evento http://www.campusparty.com.br/ foram 6655 campuseiros inscritos, e é claro que este número não inclui as outras milhares de pessoas que participaram como visitantes e profissionais envolvidos.
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Depois de 12 anos acontecendo na Espanha, o evento de lá saiu e veio acontecer aquí no Brasil, em 2008, depois na Colômbia e também em El Salvador. Este ano há a promessa de uma expansão ainda maior pela América Latina.
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Havia uma área expo onde os patrocinadores montaram seus stands, a única área aberta aos visitantes não inscritos como campuseiros. Porém, como ser bem relacionado é fundamental, acabei tendo acesso à área restrita aos campuseiros, interagindo com os mais variados tipos de internautas para trocar idéias, participar de debates, cursos e palestras, sentindo o clima do significado da Revolução Digital neste início de século: juventude, muita juventude e muita irreverencia também, o que não excluí aqueles que possuem o “R.G. baixo”.
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Na área expo havia um mirante pelo qual era possível uma visão panorâmica daquela imensa cidade internet. Esta visão fez com que eu me sentisse como se estivesse no set de filmagem de Matrix: intermináveis fileiras de computadores conectados, cada qual com seu respectivo internauta ali, entretido, numa verdadeira osmose wachovskyana, circundados por núcleos de debates temáticos, com a galera acomodada de forma bem descontraída, semi-deitados naquelas mesclas de poltrona e almofada que nos anos 70 recebiam o nome de “puff’.
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Ali, naqueles sete días conviveram desde experts em informática e web até pessoas que jamais haviam sentado diante de um computador, já que uma das áreas mais ativas foi a do “batismo digital”, criada com função de inclusão social.
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Aquele clima neo-woodstock se reforçava ainda mais quando tínhamos a visão da área de acampamento, um verdadeiro mar de pequenas barracas padronizadas e organizadas onde os campuseiros se hospedavam.
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Entre os destaques podemos citar a robótica que todo o tempo chamava a atenção dos presentes com seus curiosos trabalhos, ou ainda a presença de indígenas internautas, os quais obviamente não perderam a oportunidade de fazer o seu marketing com suas pinturas, cocares e danças tribais, mas com o objetivo de mostrar que eles não são mais os “índios de 1500”, e que a sua cultura e suas etnias só sobreviverão se adaptarem-se e integrarem-se à cultura contemporânea globalizada cada vez mais na velocidade da Revolução Digital. Tanto que sua presença online vai além de MSN e orkut, mantendo sites e portais por eles desenvolvidos e construídos, com o objetivo de difundir e modernizar a cultura indígena na perspectiva da união e intercâmbio entre as dezenas de nações e etnias que ainda sobrevivem pela América Latina afora: http://webradiobrasilindigena.wordpress.com/ e também http://www.indiosonline.org.br/ .
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E ainda merece atenção a expressão artística verificada no design das CPUs levadas para o evento. Incrementados automóveis estilizados, caveiras, dragões, esculturas abstratas, muitos temas serviram de inspiração a artistas que desenvolveram gabinetes diferenciados para os seus computadores, incrementando o clima de diversidade cultural do evento, transformando determinados setores das extensas mesas de conexão em galerías de cyberarte.
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Como um banquete para sociólogos, planners e outros interessados mais, a experiencia do Campus Party leva-nos a refletir com profundidade o significado da Revolução Digital para as gerações futuras, além de, é claro, pensar sobre os múltiplos significados da Revolução Digital para os nossos hábitos, valores éticos e estéticos, conceitos de socialização, produção e tempo, entre varios outros.
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Douglas Gregorio – janeiro de 2009.
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quarta-feira, janeiro 14, 2009

MIRA IRA - um testemunho dos anos 80, dos festivais, passando pelas Diretas Já! até o ao Rock in Rio.

O ano era 1985. Eu estava lá no ginásio do Ibirapuera, conferindo ao vivo. Estou aqui, com o vinil em mãos, verificando as 12 vencedoras.
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Perto da última versão do festival da Globo, foi muito superior. Naquela época os concorrentes eram em sua maioria músicos consagrados, e na última versão decidiram dar uma chance a amadores.
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Recordo-me do Chacrinha aquecendo a gigantesca platéia no ginásio Ibirapuera lotadíssimo minutos antes do início da transmissão pela TV, ele provocando os presentes ao puxar o côro com sua voz rouca e idosa: - “vamos lá galera, junto comigo: pau dentro, pau fora, quem tiver pau pequeno que vá embora” – ele era a baixaria encarnada. Eu só entrei (de graça) porque tinha um amigo que trabalhava na produção do Festival, pois os ingressos estavam esgotados semanas antes.
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Naqueles tempos ainda não tínhamos salas de espetáculo modernas como o Credicard Hall, o extinto Olympia, Via Funchal e o ex-Palace, entre outras. O ginásio do Ibirapuera, que foi projetado para espetáculos esportivos, era a principal “sala” de espetáculos de Sampa. Só que a acústica fazia com que nossos ouvidos “virassem penico”. Cheguei a ver o primeiro show do Deep Purple no Brasil por lá, bem como um super show da Fafá de Belém.
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Foi um dos destaques naquele festival a música “Os Metaleiros Também Amam” do Língua de Trapo, uma das bandas mais criativas que já surgiram no cenário underground paulistano, liderada pelo vocalista e humorista Laerte, que hoje, se não me engano, tem atuado em comerciais. O “Língua” tinha um trabalho que combinava a música e o teatro de comédia, no estilo do antigo teatro de revista – a música não era simplesmente executada no palco, era dramatizada, cada música do Língua compreendia também uma “sketch”, incluindo cenário, figurino etc., e às vezes também até o cinema, dado que o Língua inseria curtas produzidos por eles em meio aos shows, tudo na tônica da crítica política e social.
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São exemplos de trabalhos do Língua:
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- A dívida externa - Nesta longa estrada da dívida, já vi muita gente enriqueceeeeeer – sátira ao grupo sertanejo Trio Parada Dura, um dos precursores da explosão comercial sertaneja que viria nos anos seguintes.
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- O catolicismo - exerceu primordial papel político na transição do final da ditadura militar e a reconstrução da democracia – “Samba-Enredo da TFP” - sociedade de defesa da tradição, família e propriedade, hoje Associação de Nossa Senhora, medievalista e ultraconservadora; também uma hilária dramatização em áudio de um jogo de futebol entre o clero conservador e o progressista em que “Dom Evaristo ataca pela esquerda, interceptado pelo zagueiro D. Eugênio Sales que veio da direita abrindo espaço para D. Luciano Mendes atacar pelo centro quando o cônego levanta a óstia amarela, mas o coroinha vermelho agita o turíbulo, é expulsão etc. como se um locutor esportivo narrasse o jogo pelo rádio, e as analogias eram extremamente hilárias.
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- O conflito capital x trabalho – “Me chamo Vampiro, vampiro empresário, e chupo o sangue de qualquer otário, pois sangue coagulado é o meu capital, com juros e dividendos de um vírus letal” – uma sátira à banda Black Sabbath.
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- O jornalismo sensacionalista – mais uma montagem de áudio em que ridicularizaram Afanázio Jazadji, jornalista policial popularesco, político fisiológico intrépido defensor da pena de morte e da “necessidade” da violência policial; denunciavam a manipulação da opinião pública e o alinhamento com setores reacionários da sociedade.
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- Uma caricatura do movimento Punk, executando uma “ópera”: “Como é bom ser punk, a mãe degolar, e a vovozinha no varal pendurar, é uma emoção sentir-se um maloqueiro, fazer Zé do Caixão parecer um pipoqueiro, ó ó ó, e esperar o apocalipse tendo que ser Office boy, executada por um “tenor” interpretado pelo gordinho Pituco, também chamado pelos fãs de “Japonês”, grande vocalista do Língua.
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Os “Metaleiros também amam” era uma crítica à sociedade de consumo, à geração de modismos dirigidos à adolescência, e uma alusão direta a um dos erros fatais do Medina ao organizar o Rock in Rio, que foi justamente subestimar as então nascentes “tribos urbanas” no Brasil, misturando numa mesma noite de show tendências como o Heavy Metal – que na época era violento e ultra-radical – e a comercialesca e efemeramente modística New Wave – só poderia dar em porradaria mesmo. Em função do festival foi o trabalho mais conhecido do Língua, mas para os fãs como eu, a “mais mais” é sem dúvida “Conchetta”: uma sátira às melosas canções românticas italianas do festival de San Remo, cantada em “brasiliano” em que o namorado de Conchetta a levou numa pizzaria para comer “cocômelo com alitche” e ela acabou tendo que pagar a conta porque ele teve uma “bruta dolore no duodeno” e acabou desmaiando de diarréia no banheiro da pizzaria, pedindo sal de fruto naquela “bruta esbórnia”.
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Se eu ficasse aqui descrevendo os hilários e críticos trabalhos do Língua eu não terminaria... não perdia um só show deles, e recordo-me que ia para a fila do Centro Cultural e do SESC Pompéia cerca de três da tarde para ver um show que ia começar às 21 horas – eu era sempre o primeirão da fila.
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O Rock in Rio foi um capítulo à parte na época - depois dos inéditos e impactantes megashows do Queen em 1981 e Kiss em 1983, o Rock in Rio incluiu definitivamente o Brasil no circuito internacional do rock, e alguns dizem que seu impacto internacional só é superado pelo do festival de Woodstock... discutível. Tudo bem que ele prenunciava a globalização e o posicionamento do Brasil entre o grupo de países emergentes, o famoso BRIC – era um verdadeiro “milagre” imaginar que a América Latina e um país de Terceiro Mundo poderia bancar um evento como aquele, todos ficamos “embasbacados” quando a coisa se confirmou.
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Até aí dizer que seu significado na história internacional do rock só fica atrás de Woodstock... sei lá, Woodstock foi símbolo da revolução de costumes que ocorria no mundo ocidental em sua época, não creio que o Rock in Rio tenha tido este significado, porém, seu significado comercial/capitalista pode-se sentir internacionalmente até hoje – p. ex.: Rock in Rio Lisboa. Porém, desconheço na história internacional do rock um festival que conseguiu o feito do Rock in Rio: reunir num único evento apresentações das maiores lendas vivas do rock, como o Queen, Iron Maiden, Ozzy Ousborne, AC/DC entre outros.
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Todo mundo reclamou da ausência do Raul Seixas no Rock in Rio... o problema era que o Raul atravessava uma difícil fase com as drogas e o álcool vindo a morrer em função disso poucos anos depois, e não raro interrompia ou faltava aos shows marcados por falta de condições de executá-los. Por isso mesmo nunca tive o prazer de ir a um show do Raul, ficava com medo de pagar, ir ao show e ter de voltar pra casa sem diversão, ou ainda coisa pior: numa extinta casa de espetáculos paulistana, a ausência de Raul num show provocou violentos protestos que resultaram numa morte.
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Saindo do Rock in Rio, voltando ao Festival da Globo, tudo ocorreu na época das “Diretas Já”, da “Nova República”, da morte do Tancredo Neves por um mal súbito na véspera da posse provocado por um tiro de bala dundum na porta da igre..., digo, uma infecção intestinal segundo a versão oficial (Glória Maria que o diga). Era a época da “Teologia da Libertação” do Frei Leonardo Boff (franciscano), condenado pelo tribunal vaticano da Congregação da Doutrina da Fé (nome moderno da Inquisição) presidido pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI; a Teologia da Libertação, uma mescla de marxismo e cristianismo, dividiu o clero brasileiro, e sua expressão máxima eram as CEBs – as comunidades eclesiais de base, origem do atual Movimento dos Sem-Terra, as quais ninguém sabia bem se eram células de militância comunista ou modelo de organização eclesial alternativo às tradicionais paróquias. Alguns exagerados já falavam em “cisma”.
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Era época da restauração das eleições executivas (exceto ainda para presidente) em que Franco Montoro, um dos principais líderes da oposição à ditadura, venceu para governador em SP. Época em que a filosofia e a sociologia retornavam aos currículos escolares e o pluripartidarismo foi restaurado, incluindo a legalização dos partidos de esquerda que sem sua maioria se reuniram fundando a legenda PT.
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A canção Verde marcou presença no festival como obra da excelência da MPB não-comercial, num estilo muito próximo ao trabalho de cantores como Chico Buarque e também à Bossa Nova, assim como Emílio Santiago ganhou um prêmio especial pela canção “Elis, Elis” que vai na mesma linha. A vencedora foi Tetê Espíndola – hoje sumidinha junto com a irmã Alzira, outra cantora colossal - onde está esta malabarista da voz? Como se dizia na época, tinha “pássaros na voz”.
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Escrito nas Estrelas teve sua vitória contestada por alguns setores da sociedade, principalmente a igreja e setores representativos da classe média assalariada pelo fato de que em meio a letra havia a frase: “... pois sem você meu TESÃO...” - algumas rádios e emissoras ou proibiram a música ou biparam a frase durante a execução, e se não me engano, em algumas localidades brasileiras a execução chegou a ser judicialmente proibida.
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A inclusão do então “palavrão” foi tema de diversas mesas redondas jornalísticas que debatiam o chamado “mal uso do fim da censura” que veio com a abertura política.
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Porém, o objetivo do intitulado “Festival dos Festivais” era primordialmente comercial, e é claro que Verde, neste sentido, não seria candidata ao título, e a ousadia do compositor ao “corajosamente” incluir o “pesado palavrão” na letra de Escrito nas Estrelas deu certo... especialmente para a Globo.
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Em segundo veio “Mira Ira” com uma associação de outros dois grupos underground da época – a banda Placa Luminosa e o Tarancón - Turcão e Jica (famosos pelo barzinho que mantinham quando então o Bexiga era a Vila Madalena de hoje), Emílio e Mirian Mirah. O Tarancón era especializado em música folclórica andina, onde é marcante o uso daquelas “flautas de sete canudos, flauta de pã”, cujo nome andino/inca é zampoña.
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Mira Ira foi classificada por alguns críticos de ufanista, pela letra que exaltava a natureza tropical e a cultura brasileira de forma exagerada – “Mira no olhar, um riacho cacho de nuvem no azul do céu a rolar – mira ira, raça tupi, matas, florestas Brasil – mira sol canção, tempestade ilusão! Mira no olhar, verso fraco tecido em fuzil...”
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Recordo que ao final da execução de Mira Ira, o Ibirapuera parecia que ia explodir ao som de um fortíssimo côro de um público que foi a um intenso delírio – o pessoal automaticamente pulou e gritava a plenos pulmões “Já ganhou, já ganhou!”, muitos berravam e até choravam, foi incrível! A catarse foi tão intensa que pensei que ia haver invasão do palco – apesar da acusação de ufanismo, a canção é simplesmente intensa e belíssima, além da letra mexer com o orgulho nacionalista das pessoas – porém, ao contrário de Escrito nas Estrelas, não era uma canção que poderia ser executada a fartar nas rádios. Não era tão comercial. O arranjo como a letra exigiam erudição dos ouvintes, já que eram acordes que pediam aquele lance do: parar, ouvir e apreciar, até mesmo pelo uso de instrumentos exóticos do folclore inca/andino. A letra, além aludir a lendas pouco conhecidas da mitologia indígena, a poesia exigia raciocínios intrincados do ouvinte, e incluía frases em Tupi-Guarani na voz intensa de Miriam Mirah.
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Confira a gravação deste evento no link: http://br.youtube.com/watch?v=pNV28B1oG2o
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Já Escrito nas Estrelas tinha uma letra simples, que falava de uma moça que declarava todo seu amor ao ser amado sem o qual não conseguiria viver, segundo seus videntes previam pela astrologia e pelo Tarô. A construção poética pobre, porém simples e direta, melosamente romântica e portanto bem comercial, bem popularesca, assim como o arranjo musical era bem básico e só dava um swing aos versos... com certeza, quem conheceu o trabalho de Tetê Espíndola que antecedeu sua participação no Festival poderia imaginá-la muito mais em dueto com Miriam Mirah que cantando Escrito nas Estrelas.
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Tetê Espíndola que me perdoe, sou fã dela desde antes do Festival, mas com certeza a grande campeã moral do Festival dos Festivais sempre foi e sempre será Mira Ira.
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Douglas Gregorio – janeiro de 2009.
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sexta-feira, novembro 21, 2008

‘A onda’ e o irracionalismo dos grupos* pelo prof. Dr. Raymundo de Lima - .USP.


O filme “A onda” [The wave][1] tem início com o professor de história Burt Ross explicando aos seus alunos a atmosfera da Alemanha, em 1930, a ascensão e o genocídio nazista. Os questionamentos dos alunos levam o professor a realizar uma arriscada experiência pedagógica que consiste em reproduzir na sala de aula alguns clichês do nazismo: usariam o slogan “Poder, Disciplina e Superioridade”, um símbolo gráfico para representar “A onda”, etc.

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O professor Ross se declara o líder do movimento da “onda”, exorta a disciplina e faz valer o poder superior do grupo sobre os indivíduos. Os estudantes o obedecem cegamente. A tímida recusa de um aluno o obriga a conviver com ameaças e exclusão do grupo. A escola inteira é envolvida no fanatismo d’A onda, até que um casal de alunos mais consciente alerta ao professor ter perdido o controle da experiência pedagógica que passou ao domínio da realidade cotidiana da comunidade escolar.

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O desfecho do filme é dado pelo professor ao desmascarar a ideologia totalitária que sustenta o movimento d’A onda , denuncia aos estudantes o sumiço dos sujeitos críticos diante de poder carismático de um líder e do fanatismo por uma causa.

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Embora o filme seja uma metáfora de como surgiu o nazi-fascismo e o poder de seus rituais, pode conscientizar os estudantes sobre o poder doutrinário dos movimentos ideológicos políticos ou religiosos. O uso de slogans, palavras de ordem e a adoração a um suposto “grande líder” se repetem na história da humanidade: aconteceu na Alemanha nazista, na Itália fascista, e também no chamado ‘socialismo real’ da União Soviética, principalmente no período stalinista, na China com a “revolução cultural” promovida por Mao Tsé Tung, na Argentina com Perón, etc. Ainda, recentemente, líderes neo-populistas da América Latina, valendo-se de um discurso tosco anti-americano, conseguem enganar uma parte da esquerda resistente a aprender com a história.

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Experiência pedagógica e política.

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Feito para a televisão, ‘A onda’ [The wave], foi baseado em um incidente real ocorrido em uma escola secundária norte-americana em 1967, em Palo Alto, Califórnia. Antes de virar filme, foi romanceado em livro. A idéia do filme, com 45 minutos, era para fazer parte do currículo da escola, para estudar, refletir e se prevenir contra a onda nazi-fascista que começou no final da década de 30. Com a derrota do nazi-fascismo na 2ª. Guerra Mundial e o surgimento da ‘guerra fria’, filmes assim, podem funcionar como alerta contra pregações doutrinárias que fazem apologia aos totalitarismos de direita ou de esquerda[2]. Muitas vezes, o doutrinamento pró-totalitarismo ocorre no âmbito universitário, como se fosse ensino ‘científico’, onde a democracia é considerada uma má invenção ‘burguesa’ e a política uma prática a ser superada por um ‘novo’ sistema desenhado pelo abstracionismo teórico.

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“A Onda” é uma metáfora que se aplica, mais ou menos, a qualquer movimento de massa respondente aos apelos de um líder carismático ou de uma causa mítica irracional. Foi assim com os atos criminosos da Ku Klux Klan, o macartismo que desencadeou a “caça às bruxas”[3] perseguindo todos os supostos “comunistas” nos EUA, os governos de direita da América Latina com traços totalitários como foi o de Pinochet (Chile), o regime de apartheid da África do Sul (antes de Nelson Mandela), o processo de “limpeza étnica” conduzida pelos sérvios nos Bálcãs, os grupos neonazistas skinheads espalhados pelo mundo, os carecas do ABC paulista, e o movimento separatista do Iguaçu, no Paraná, entre outros menos conhecidos. Também, os partidos políticos neonazistas abrigados no regime democrático, na Áustria, chefiado por J.Haidern, e na França, por Jean Marie Le Pen. Devem ser, ainda, incluídos os líderes com traços protofascistas (Eco, 1995): Berlusconi, que passou pelo governo da Itália, e líderes totalitários com traço imperial, como King Jon Il (Coréia do Norte), Assad (Síria), ou de milícias que ocupam o vazio do Estado (Hizbolá, Hamas, FARC, PCC) cujos atos truculentos faz semelhança com tantos movimentos fascistas italiano, espanhol, e mesmo o integralismo, no Brasil. No período da ditadura militar, depois 1964, no Brasil, surgem grupos de extrema-direita, como a TFP (Sociedade da Tradição, Família e Propriedade) e o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), ambos com intenções de causar uma ‘onda’ de cooptação dos jovens para a sua luta ideológica e até terrorista[4].

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Também líderes eleitos democraticamente, mas cujas manobras deixam transparecer traços totalitários (George W. Bush, Hugo Chávez, Mahmoud Ahmadinejad). Notamos que o traço comum entre estes líderes é a capacidade de fanatizar as massas por uma causa racional ou irracional, se valendo de métodos antidemocráticos como a censura, perseguições, prisões arbitrárias, elogios aos feitos do suposto ‘grande líder’, etc.

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Também podem ser incluídos, hoje, como parte da onda protofascista (sic) os movimentos fundamentalistas (cristão, judaico, islâmico). O ‘fundamentalismo’[5] é a interpretação restrita do livro sagrado de forma a repudiar tudo e todos que não concordem com tal interpretação; trata-se de um “terrível simplificador” que pretende explicar e fornecer uma moral para o passado, o presente e o futuro da humanidade. Lembrando alguns traços do fascismo ou ‘protofascimo’ elaborado por Umberto Eco (1995), têm conquistado visibilidade na mídia as paradas dos “homens-bomba”, (que incluem crianças e mulheres), e as escolas de doutrinação islâmica ou madrassas, usadas como perversão do islamismo e impondo à população a cultura obscurantista Talibã, no Afeganistão[6]. O auge de visibilidade dos efeitos da doutrinação islamofascista parece ser representado pela organização global da Al Qaeda, cujo líder Bin Laden, que nada tem de socialista ou marxista, diz lutar por uma causa supostamente “santa” contra os “infiéis do mundo ocidental”[7].

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A atitude fascista não morreu.

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O nazi-fascismo foi derrotado na 2ª. Grande Guerra, em 1945, mas ele não morreu. O que hoje acontece no cenário mundial nos leva a suspeitar que “ele não morrerá entre nós”, alerta o psicanalista francês C. Melman (2000).

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A fundação do Partido Nazista, nos EUA, é de 1970. Recente levantamento realizado nos EUA contou 474 grupos de extrema direita, organizados naquele país, alguns agindo abertamente em diversos setores governamentais, inclusive com atos contra a democracia e ao governo legitimamente constituído. A “Nação Ariana’ e a ‘Identidade Cristã’, são considerados pelo FBI como os dois grupos mais perigosos e ameaçadores dos EUA. O ataque terrorista que destruiu todo o edifício do governo federal, em Oklahoma City, em 1995, foi ato de um membro da extrema direita com ligações com o grupo ‘Identidade Cristã’. “O uso da religião para propósitos fascistas e a perversão da religião em um instrumento de propaganda de ódio, como um cruzada antidemocrática em nome da salvação da democracia, é uma tática disseminada entre os grupos de extrema direita” (Carone, 2003).

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Balizas para comentar esse filme:

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Nosso olhar sobre o filme “A onda” focaliza três linhas de análise para comentários visando estimular o debate: (1) o nazi-fascismo como ideologia política totalitária de direita; (2) a psicologia de massas e a servidão voluntária dos indivíduos a um líder, grupo ou causa mítica; (3) a propaganda política e ideológica (4) o recurso da ‘experiência pedagógica’, como meio de ir para além do mero aprendizado de conceitos teóricos. Notar que o professor do filme adota a experimentação com grupo como recurso didático ‘vivencial’ [Dinâmica de Grupo e Sociodrama], que sempre implica em algum risco de perder o controle da experiência pedagógica. O “sócio-grupo” seria o grupo tarefa estruturado e orientado em função da execução ou cumprimento de uma tarefa, e o “psico-grupo” ou grupo estruturado, orientado e polarizado em função dos próprios membros que constituem o grupo, foram criados por Kurt Lewin – judeu alemão emigrado para os EUA - tinham como propósito serem não somente técnicas de aprendizagem alternativa à aula tradicional, considerada chata ou enfadonha mas de efetivamente trabalhar a dimensão afetiva e emocional de cada grupo enquanto gestalt, onde estão presentes preconceitos, dogmatismo, coesão, fé cega num líder, bloqueios, filtragens, enganos e auto-enganos na comunicação entre seus membros[8] etc.

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Apesar de não ser um grande filme, e ainda prejudicado com o uso de cópias desgastadas, gravadas da televisão aberta[9], “A onda’ têm a virtude de levar o telespectador a não ficar indiferente aos fenômenos de massificação, fanatismo e intolerância do ser humano. Contudo, o filme é um sério alerta para: a) o risco do “sujeito” perder a “liberdade” e “autonomia”, submetendo-se incondicionalmente ao poder do grupo, sua “causa absoluta” veiculadas por slogans e palavras que ordenam uma ação automática, fazendo desaparecer o sujeito[10] ; b) problematiza a possibilidade de ressurgimento do nazi-fascismo, ou dos totalitarismos de direita ou de esquerda, tendo em vista o desgaste das democracias representativas de nossa época; c) conscientiza a formação de grupites de adolescentes e gangues potencialmente intolerantes e criminosas. Há uma tendência narcisista nesses grupos que, geralmente, são atraídos pela proposta de igualdade e novo sentido existencial-no-mundo, a fundação na vivência da territorialidade, o desenvolvimento de um código de linguagem próprio onde os atos de rejeição dos “mais fracos”, “desgarrados” ou “diferentes” parecem legítimos e morais. Basta ver o recreio de qualquer escola onde os membros dos grupos reproduzem sua imagem narcísica no modo de ser, vestir, falar, pensar etc. Evidentemente, tal atitude faz parte do processo de desenvolvimento da personalidade em busca de identidade própria, mas pode também ser a base para a formação de um traço de caráter ‘blindado’, conforme o estudo de W.Reich.

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O trote seria um tipo de onda?

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O tradicional trote universitário é um ritual de violência sádica de um grupo “mais velho” sobre os “novos” ou calouros. O trote pode ser tipificado como uma formação protofascista, no sentido proposto por Eco (1995), na medida em que um grupo visa humilhar os supostamente mais fracos? Que fazer para quebrar essa “tradição de família” presente ainda em algumas universidades? O que esse ritual de passagem representa na cultura universitária? Será que aulas, palestras, leis, punições, bastam para conscientizar e levar à nova geração evitar essa prática? Será que medidas impostas pelos colegiados de cada instituição, investidos de autoridade, devem proibir com rigor o trote violento, por exemplo, reinventando regras com o sentido da pró-solidariedade? Que metodologia ou técnicas de ensino e aprendizagem poderiam ser usadas para quebrar essa tradição e instaurar uma consciência verdadeiramente crítica e historicamente elaborada sobre tal fenômeno?

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Ascensão do irracional?

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O retorno do irracional em forma de ‘onda’ ou de ‘massa’ parece ser uma resposta desesperada de algumas culturas resistindo à modernização ocidental liberal-burguesa-democrática; a globalização econômica em que pese o seu sentido capitalista excludente também tem produzido novas idéias e tecnologias que beneficiam toda a humanidade, embora causem em alguns grupos mais tradicionais o medo de perder sua identidade comunitária, tal como analisa Castells (1999) e Japiassu (2001).

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Aos educadores, é imprescindível trabalhar junto com os alunos, desde cedo, a ética da tolerância, o respeito à diversidade cultural e as diferenças demasiadamente humanas, bem como o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, onde a paz e a liberdade devem ser ativas.

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O conhecimento científico, a informação e a tecnologia são insuficientes para melhorar o ser humano. É preciso desenvolver uma nova educação que encare o mundo complexo e promova, além da pesquisa que aspira o conhecimento novo, também uma sabedoria prática para se viver a vida pessoal e coletiva em tempos tão sombrios.

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Os sintomas atuais de ascensão do irracional humano vem se revelando não só através de grupos nazi-fascistas que formam uma ‘onda’ pregando a “supremacia da raça branca”, a perseguição de judeus, negros, índios, homossexuais, nordestinos do Brasil, feministas, esquerdistas, democratas, etc. O fundamentalismo religioso (cristão, islâmico e judaico), os atos dos criminosos ligados ao narcotráfico, o terrorismo protofascista de grupos ou de Estado, sem projeto político, podem ser considerados sintomas de “ascensão do irracional” (em nosso artigo, em http://www.espacoacademico.com.br/004/04ray.htm, observamos três sintomas do protofascimo no terrorismo: o desprezo do diálogo pelo ato – do ato pelo ato; o argumento pela emoção. Para Eco (1995) é a “a ação pela ação’ e a “luta pela luta”. Na leitura psicanalítica é representado pelo ‘mais-gozar’ da ação e o ‘mais-gozar’ da luta sem fim).

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O filme “A onda” focaliza, por um lado, o imperativo da ordem e disciplina e, por outro, o desejo de controlar a pulsão agressiva dos seres humanos travestido em organização fascista aspirando ser moral.

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“A onda” pode ser vista através de alguns movimentos políticos-ideológicos de nossa história: quando atuou em nome de uma suposta “superioridade da raça ariana”, causou o genocídio nazista; quando levantou a bandeira da “causa do proletariado” milhares foram estigmatizados de ‘anti-revolucionários’, ‘reacionários burgueses’, ‘intelectuais inúteis’; quando surgiu com o nome de “revolução cultural” fez o povo quase perder suas tradições; quando “em nome de Deus” milhares são assassinados; quando “em nome do Bem contra o Mal”, da “causa justa” ou da “democracia”, invadiu países, destruindo prédios e vidas; Enfim, quanto o irracional está a serviço da racionalidade, o resultado é a imoralidade, o sofrimento e a morte em massa. Quando a intolerância quer ser reconhecida como moral e legal, justificando que a repressão da autonomia dos sujeitos é necessária “para o bem de todos”, a razão se faz cínica[11]. Assim, é preciso reconhecer que ser racional não basta para singularizar o que é ‘ser humano’, ou seja, falta saber se ser racional é condição sine qua non para ser razoável e capaz de estabelecer empatia para com o nosso semelhante.

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Depois do filme.

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Outras experiências pedagógicas foram realizadas e filmadas depois de “A onda”, que parecem ter sido influenciadas pelas pesquisas dos laboratórios de dinâmica de grupo e experimentação cientificamente controlada, desde a década de 1970. Recomendamos aos pedagogos, psicólogos, historiadores, filósofos, sociólogos, antropólogos, entre outros, assistirem aos documentários: “Olhos azuis”[12], coordenado pela professora Jane Elliott e “Zoológico humano”, conduzido pelo psicólogo P. Zimbardo (Stanford University). Ao conduzir a experiência dos grupos, a professora Elliot evidencia o racismo, os fenômenos de grupo, a liderança, a submissão voluntária, etc. No “Zoológico humano”, recomendamos maior atenção para a 2ª. Parte, que trata da submissão do sujeito ao grupo. Em ambos, podemos observar fenômenos como ‘conformidade’, ‘disciplina’, ‘bloqueios’, ‘filtragens’, ‘contágio social’, a influência do ‘poder’, a ‘submissão’, as ‘distâncias sociais’, ‘barreiras psicológicas’, a ‘psicose de massa’, o ‘vigiar e punir” de uns contra outros para que ninguém seja a si próprio, a delação ou dedurismo como prática corriqueira de difícil verificação e confrontação com a verdade, o ‘narcisismo das pequenas diferenças’ proposto por Freud, a ‘regressão dos indivíduos a condição de massa ’ (conforme dito de Adorno: o fascismo ao manipular as massas, faz “psicanálise às avessas”), etc.

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Continua sendo atual o discurso do professor Ross, proferido no final de “A onda”:

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“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos. Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”.
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TUTORIAL PARA DOWNLOAD DO FILME "A ONDA Clicando em <http://paginas.terra.com.br/arte/culturainformacao/ > clicando, cai direto em “Cultura e informação” e ver “dicas e notícias” sobre como fazer download do filme “A onda” http://www.cefetsp.br/edu/eso/laerte/

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Também indica outro endereço para este filme só que em inglês:


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O endereço da comunidade "A onda - The wave" > no Orkut:


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* Texto produzido para orientar meus comentários sobre o filme “A onda”. Agradecimentos especiais a Moisés Storch (Movimento Paz Agora) pela valiosa revisão e sugestões do texto, e Sergio Becker pelo retorno crítico.
[1] Filme: “A onda” [ The wave] – Dur.: 45 minutos – Direção: Alex Grasshof - País: EUA - Ano: 1981 Elenco: Bruce Davison, Lori Lethins, John Putch, Jonny Doran,Pasha Gray, Valery Ann Pfening. Obs: o filme foi exibido uma única vez no início da década de 1980 (1981 ou 1982). Depois, a TV Educativa-Rio também o exibiu, realizando um excelente debate com convidados de diferentes áreas do conhecimento.
[2] Conferir o estudo de HARENDT, Hanna. O sistema totalitário. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978.
[3] Ver o filme “As bruxas de Salen”, baseado na peça The Crucible [O sacrifício], de Arthur Miller.
[4] “O Atentado do Riocentro foi um ataque a bomba frustrado contra o Pavilhão Riocentro no dia 30 de abril de 1981. Na data realizava-se no edifício um show em homenagem ao Dia do Trabalho. Cerca de 21:30, com o evento já em andamento, uma bomba explodiu dentro de um carro no estacionamento. A bomba seria instalada no edifício mas explodiu antes da hora, matando um dos passageiros do carro e ferindo gravemente o outro. O Puma levava dois passageiros, o capitão Wilson Luís Alves Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário. Ambos trabalhavam para o DOI-Codi do estado do Rio de Janeiro e o sargento Rosário tinha treinamento do Exército em montagem de explosivos. Na ocasião o governo acusou como culpado pelo atentado os integrantes radicais da esquerda. Essa hipótese já não tinha sustentação na época e atualmente já se comprovou, inclusive por confissão, de que o atentado no Riocentro foi uma tentativa de setores mais radicais dentro da ditadura (principalmente o CIE e o SNI) de fazer crer que era necessária uma nova onda de repressão e paralisar a lenta abertura política que estava em andamento. Uma segunda explosão ocorreu a alguns quilômetros de distância na miniestação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. A bomba foi jogada por cima do muro da miniestação, mas explodiu em seu pátio e a eletricidade do pavilhão não chegou a ser interrompida. Esse episódio é um dos que marcam a decadência do regime militar no Brasil que daria lugar dali a quatro anos ao restabelecimento da democracia (Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_do_Riocentro).
[5] Cf.: ROUANET, S. P. “Os terríveis simplificadores”. Folha de S. Paulo, 11.jan.2001.
[6] A identificação de traços protofascistas em alguns movimentos fundamentalistas (Hizbolá, Hamas, xiitismo iraniano, etc) é um posicionamento contestado com argumentos vagos, por exemplo, pelo escritor Tarik Ali (Ver debate no programa Roda Viva, da TV Cultura-SP).
[7] “Não que seja uma causa real, mas a usam. Não é estranho que grupos neonazistas adorem Bin Laden. Muitos substituíram a imagem de Hitler pela dele”, disse Pilar Rahola, (Folha de S.Paulo, 25 de ago 2006). Nascida em Barcelona em 1958, Pilar Rahola, ex-deputada espanhola de esquerda, é doutora em Filologia Hispânica e também em Filologia Catalã (Cf.: GABRIEL BRUST "Há uma esquerda traindo a liberdade".Entrevista com Pilar Rahola).
[8] Cf.: MAILHIOT, G. B. Dinâmica e gênese dos grupos. São Paulo: Duas cidades, 1976.
[9] A maioria das cópias que existem nas faculdades foi originalmente gravadas na TV Globo ou na TV Educativa do Rio de Janeiro, que, após a exibição, promoveu um debate com convidados. O pessoal do Café Filosófico (Docentes Responsáveis: LAERTE MOREIRA DOS SANTOS, PATRICIA HETTI, LOURDES CARRIL) está disponibilizando na Internet como fazer download. > http://www.cefetsp.br/edu/eso/laerte/
http://paginas.terra.com.br/arte/culturainformacao/
Também indica outro endereço para este filme só que em inglês:
http://www.xenutv.com/cults/wave.htm e o endereço da comunidade "A onda - The wave" no Orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1262617
[10] Não apenas desaparece o “sujeito” submetido ao poder do grupo, como também o nazi-fascismo fez desaparecer os sujeitos, primeiramente pelas metáforas animais (comparavam os judeus, comunistas, homossexuais, a ratos, répteis, insetos como piolhos, traças, e germes “que devoram os pilares da vida econômica, social, religiosa e política da nação...”. Em verdade, “a parasifobia é tão masoquista quanto sádica, pois a base recalcada pode ser transformada em perseguição à ameaça externalizada, em destrutividade paranóica” (Carone, 2003).
[11] Cf.: ZIZEK, S. Eles não sabem o que fazem. O sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990
[12] “Olhos azuis” tem a versão com adultos e outra com adolescentes. Foram exibidos no Brasil pelo canal GNT do sistema Net.

quinta-feira, agosto 28, 2008

É lícito cercear a propaganda política na Internet?


Nesta quinta-feira, 28, deve ser julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o mandado de segurança impetrado pelo portal iG pedindo, liminarmente, que sejam anulados os efeitos dos artigos 18 e 19 da Resolução 22.718/08. Os dispositivos legais proíbem que os candidatos tenham blogs, participem e opinem em comunidades sociais tais como Orkut, Twitter e Second life, ou ainda que enviem propostas de suas campanhas por e-mail, SMS ou vídeos no YouTube. A lei proíbe também a comercialização para partidos políticos de espaços públicos na internet.

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A legislação vigente permite aos candidatos a propaganda eleitoral no meio digital apenas em suas páginas pessoas (com domínio "can.br"), o que culminou na determinação de retirada, em 6 de julho, de todos os sites destinados à divulgação e ao compartilhamento de idéias e informações relativas às propostas dos candidatos às eleições deste ano. Páginas cujos autores expressavam sua intenção de voto foram instadas pela Justiça a retirar a informação.

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O mandado de segurança impetrado pelo iG visa garantir a comercialização do espaço publicitário relacionado às propagandas eleitorais, emitir opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre os candidatos e seus partidos; manter blogs, inclusive de candidatos, salas de bate-papo e todos os espaços necessários à garantia do livre fluxo de informações e opiniões políticas.

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Para o diretor-presidente do portal, Caio Túlio Costa, a resolução do TSE é um flagrante desrespeito à liberdade constitucional de expressão. O executivo destaca ainda que a legislação asfixia financeiramente a internet, que hoje não tem mais do que 3,2% de todo o investimento publicitário, além de bloquear a vocação primordial da rede que é a única mídia de massa que possibilita o diálogo direto entre usuários e a própria fonte de informação. (Meio & Mensagem).
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E então? Se a internet é realmente livre, e se a discussão política deve ser ampla e irrestrita, como então impor limites ao debate democrático?

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Fala-se em amadurecimento da democracia.

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Porém, pouco se fala da liberdade sagrada do cidadão de participár ou não do processo - queremos dizer, por que o voto AINDA é obrigatório no Brasil?

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Por que a mídia de maior alcance da atualidade, a televisão, sofre intervenção direta do Estado na reserva de espaço gratuíto na TV, quebrando a liberdade do cidadão telespectador, já que o horário eleitoral é transmitido em rede de todas as emissoras e no mesmo horário? Não caberia aos partidos políticos bancar com recursos próprios a sua propaganda? Tal medida não implantaria maior seriedade ao processo democrático? Ora, personagens fisiológicos teriam suas possibilidades de vitória reduzidas, e com isso a ação das chamadas "legendas de aluguel" receberia um forte golpe em um dos seus principais sustentáculos, que é a mídia de massa gratuita - vide o caso Enéas.

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Assim, observando a utilização da TV no processo eleitoral, e considerando uma mídia de características totalmente diferentes, como é a internet, é pertinente o uso de tais medidas restritivas? Por que a utilização de uma mídia que permite a intercomunicação bipolar, ou mesmo multipolar das partes envolvidas, é tão cerceada assim? Justamente agora que a mídia internet permite ao cidadão participar diretamente do conteúdo através da construção do diálogo direto proporcionado pela tecnologia, o que alteraria substancialmente o conceito de representatividade democrática, o que permitiria denúncias, debates, questionamentos etc., por que justamente aí o Estado intervém proibindo este novo movimento?

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São questões para refletir.

domingo, agosto 10, 2008

BELLA CIAO

"Bella ciao" é uma canção popular da Resistência italiana da Segunda Guerra Mundial. A origem da canção é incerta e o autor da letra desconhecido. Durante a Guerra Civil Espanhola a canção ganhou uma nova letra, sendo adotada como hino das milicias anarquistas e trotskistas contra o facismo franquista. A canção foi gravada por vários artistas italianos, russos, bósnios, croatas, sérvios, húngaros, ingleses, espanhóis, alemães, turcos, japoneses, chineses e curdos.
(Wikipédia)

Una mattina mi son svegliato,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
Una mattina mi son svegliato,
e ho trovato l'invasor.
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O partigiano, portami via,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
O partigiano, portami via,
ché mi sento di morir.
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E se io muoio da partigiano,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
E se io muoio da partigiano,
tu mi devi seppellir.
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E seppellire lassù in montagna,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
E seppellire lassù in montagna,
sotto l'ombra di un bel fior.
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E le genti che passeranno,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
E le genti che passeranno,
Mi diranno «Che bel fior!»
«È questo il fiore del partigiano»,
o bella, ciao! bella, ciao! bella, ciao, ciao, ciao!
«È questo il fiore del partigiano,
morto per la libertà!»
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oooooo OOOOOO oooooo
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Acordei de manhã
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
Acordei de manhã
E deparei-me com o invasor
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Ó resistente, leva-me embora
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
Ó resistente, leva-me embora
Porque sinto a morte a chegar.
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E se eu morrer como resistente
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
E se eu morrer como resistente
Tu deves sepultar-me
E sepultar-me na montanha
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Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
E sepultar-me na montanha
Sob a sombra de uma linda flor
E as pessoas que passarem
Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
E as pessoas que passarem
Irão dizer-me: «Que flor tão linda!»
É esta a flor
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Minha querida, adeus, minha querida, adeus, minha querida, adeus! Adeus! Adeus!
É esta a flor do homem da Resistência
Que morreu pela liberdade!
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segunda-feira, abril 07, 2008

Radiatividade

A amplitude do ser
é mais extensa que os
efeitos das ondas do mar.

No poder das flores do
campo o amor e a bondade
se manifestam.

Pelos caminhos da América
rostos e pés se cruzam
entre lágrimas perdidas
na quadrada dos sorrisos.

Assim os abismos deixam
de se tornar tão perigosos
e misteriosos. São só o que
são.

IT!

27/03/2008.

quinta-feira, abril 03, 2008

O BANHEIRO DO PAPA.


Uma história de ficção, mas baseada em fatos verídicos.
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Melo é uma pequena cidade uruguaia na fronteira entre o Brasil, cuja população vive em alto grau de pobreza. Os poucos habitantes de situação remediada dedicam-se ao limitado comércio local com seus toscos botequins e vendinhas, mas a maioria dos cidadãos só possui uma única forma de ganhar um parco dinheirinho, que é integrar-se a um precário sistema de contrabando que abastece o pobre comércio local com artigos adquiridos em território brasileiro.

Rudes, incultos e mal-ajambrados mas com um sentimento muito grande de amor e respeito aos familiares e amigos, os homens de Melo percorrem diariamente no mínimo 120 quilômetros de bicicleta, trazendo na garupa algumas poucas encomendas para os comerciantes locais.

Como se não bastasse a labuta, o transporte precário e a penúria, eles ainda têm de enfrentar a corrupção dos serviços alfandegários que os obriga a fazer desvios por um longo trajeto em terreno pantanoso para se livrar da fiscalização da guarda de fronteiras, bem como sofrem assédio moral e coação por parte de Meleyo, um corrupto funcionário público odiado por toda a comunidade de Melo, o qual persegue desafetos (geralmente aqueles que entraram e decidiram sair de seu esquema particular dada a excessiva exploração), destruindo-lhes a carga quando pegos ou ainda cobrando propinas, divertindo-se sadicamente em humilhá-los em público com xingamentos (especialmente aqueles que denigrem a moral das mulheres de suas famílias), e em tomar os produtos mais refinados que estão transportando, tudo sem que ninguém possa intervir, já que ele é a maior autoridade local no que diz respeito ao fisco.

Um desses coitados que sobrevivem do precário contrabando é Beto, que sempre coloca a cabeça para funcionar na ânsia de encontrar uma saída para a situação. Sua filha adolescente sonha em ser jornalista e sua esposa trabalha arduamente como lavadeira-passadeira para juntar migalhas de dinheiro com o qual pretende custear os estudos da filha.

No ano de 1998 é anunciado que o Papa João Paulo II, em visita à América Latina terá uma passagem de algumas horas em Melo, onde fará um discurso de saudação para o povo uruguaio.

A mídia sensasionalista e os políticos começam então a explorar o fato supervalorizando-o, apresentando à população meras suposições ou mesmo inverdades na exagerada tônica de que a visita do Papa seria um marco na história uruguaia e o pontapé inicial de uma época de desenvolvimento e fartura - um absurdo.

O povo de Melo, esperançoso e sensível a estas falsas promessas juntam suas parcas economias ou mesmo se endividam para investir no evento, montando barracas de lanches, lingüiças, lembrancinhas, bandeirolas e todo tipo de bugiganga que pudesse ser comercializada junto à multidão esperada, a qual o governo e a mídia calculavam que seria entre 30 e 50 mil pessoas – obviamente superestimada.

É aí que Beto tem uma brilhante idéia – todos estavam preocupados em oferecer à multidão o atendimento às necessidades básicas (especialmente a alimentação), mas ninguém havia tido a idéia de oferecer outro serviço essencial que seria tão escasso quanto necessário durante o evento: o acesso a sanitários.
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Eis então a questão central do filme: os esforços e as desventuras do pobre homem simples Beto, que volta todas as suas energias materiais e psíquicas para a realização do seu projeto, a construção de um pequeno banheiro público por cujo uso cobraria. Beto tinha a mesma esperança de todos, que apostavam no retorno supermultiplicado dos seus investimentos que apesar de modestos, representavam uma situação de "é tudo ou nada", dada a carência extrema da comunidade local.
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As falsas informações veiculadas pela mídia sensacionalista e manipuladora, e o discurso politiqueiro do governo uruguaio inculcaram nos desvalidos cidadãos de Melo a falsa impressão de que o retorno do investimento seria garantido, e Melo seria uma nova cidade depois daquele dia, se não rica, pelo menos com uma qualidade de vida mais elevada, estando então decretado o fim da dependência daquele precário sistema de contrabando.

Repleto das trapalhadas hilárias de Beto, mas sem deixar de lado o tom sério de denúncia da penúria e da falta de ética dos políticos e meios de comunicação, assim transcorre a trama de “O Banheiro do Papa”, cujo desfecho é carregado da mesma ambigüidade comédia–drama que aparece ao longo deste filme que, é claro, está longe de ser uma superprodução, mas não deixa de entreter com qualidade.
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Título Original: El Baño del Papa
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 97 minutos
Ano de Lançamento (Brasil / Uruguai / França): 2007
Estúdio: O2 Filmes / Laroux Cine / Chaya Films
Direção: César Charlone e Enrique Fernández
Roteiro: César Charlone e Enrique Fernández
Produção: Elena Roux
Música: Luciano Supervielle e Gabriel Casacuberta
Fotografia: César Charlone
Direção de Arte: Ines Olmedo
Figurino: Alejandra Rosasco
Edição: Gustavo Giani
Elenco: César Trancoso (Beto), Virginia Mendez (Carmen), Virginia Ruiz (Sílvia), Mario Silva (Valvulina), Henry de Leon (Nacente), Jose Arce (Tica), Nelson Lence (Meleyo), Rosario dos Santos (Teresa), Alex Silva (Gordo Luna), Baltasar Burgos (Capitão Alvarez), Carlos Lerena (Soldado).


Março de 2008

quarta-feira, março 12, 2008

A SESSÃO DA TARDE E A HISTÓRIA DO CINEMA PAULISTANO - a evolução do entretenimento na sétima arte.


Nas suas origens nos anos 70 e 80, a Sessão da Tarde tinha um significado muito diferente do atual.


Se as novas gerações julgam que Os Goonies, O Rapto do Garoto Dourado, Curtindo a Vida Adoidado, De Volta para o Futuro, Karatê Kid. A Lagoa Azul são clássicos da Sessão da Tarde, eles estão certos.


Porém, desconhecem uma fase anterior da Sessão da Tarde, bem diferente da atual, ocorrida nos anos 70 e início dos anos 80.


Não existia VHS muito menos DVD, e TV paga era coisa de ficção científica. As salas de cinema tinham um conceito muito diferente do atual.


A localização das salas de cinema paulistanas era no centro da cidade, e havia algumas poucas nos centros regionais dos bairros. Ainda não existiam os Shoppings.


O tamanho e padrões de funcionalidade também eram diferentes. O público chamava pejorativamente as salas mais pequenas de “caixinhas de fósforo”, mas estas salas não tinham menos de 300 lugares – enormes para os padrões atuais.


As salas mais badaladas costumavam ser tão grandes que várias delas se orgulhavam de ter uma, ou até duas platéias suspensas além da platéia principal, que já não era pequena.


Recordo-me das inúmeras sessões de assisti nos anos 70 no extinto Cine Universo, localizado num dos principais clusters cinematográficos da cidade de São Paulo: a avenida Celso Garcia, na região central. Seus vizinhos eram o Cine Bruni (depois, Cine Brás), Roxy, Fontana I e II, Piratininga – hoje, num único shopping, você pode encontrar um número de salas muito mais elevado.


O Cine Universo era tão grande que possuía platéia suspensa e uma particularidade: teto solar com clarabóia circular; não recordo o tamanho com exatidão, mas acho que era algo em torno de 50 metros de diâmetro que era aberta em dias de muito calor, já que os sistemas de ar condicionado da época além de custosos eram pouco eficientes para grandes recintos.


Havia ainda as salas que se distribuíam pelos centros regionais de São Paulo, tais como o Amazonas na Vila Prudente, Ouro Verde e Patriarca na Moóca, Aladim e Japi no Tatuapé. Havia ainda cinemas nas regiões de Santo Amaro, Penha e Lapa entre outros.


Naquela época os lançamentos ocorriam em número bem menor que atualmente. Grandes produções da época como Superman e Guerra nas Estrelas de 1977 aconteciam apenas uma ou duas vezes ao ano.


Havia as sessões exclusivas, com filmes diferentes do principal em cartaz, as quais ocorriam no meio da tarde para atender o público infanto-juvenil. Eram as famosas matinês.


Os costumes da época eram bem diferentes. A censura moral era rígida. O juizado de menores fiscalizava com rigor as salas. Cenas hoje corriqueiras usadas até em comerciais exibidos em qualquer horário na TV aberta, como beijos ardentes ou moças de biquíni eram suficientes para se fixar a censura de um filme em 18 anos.


Na entrada, funcionários exigiam com rigor a apresentação de documentos de identidade aos freqüentadores. Como lei é lei, se você comparecesse na véspera de completar 18 anos, com certeza ia ter que voltar para casa sem diversão.


A fiscalização do juizado de menores (hoje conselho tutelar) era intensa e severa. Um flagrante podia ter conseqüências drásticas para a sala, que iam desde multas pesadas, interdição da sala ou mesmo a prisão dos proprietários. Isso sem falar que a ocorrência de um caso assim afastaria o público da sala, que seria classificada como “antro de imoralidade” ou “pulgueiro mal administrado”.


E pasme: ainda havia casos de limites de censura fixados em 21, ou até 25 anos, raros mas não impossíveis.


A rigidez da censura era tanta que há de se considerar tais fatores lembrando do fato de que filmes com cenas de sexo explícito ou de violência em alto grau de realismo eram coisa vista somente de forma clandestina, geralmente por fechados grupos de pessoas que possuíam recursos financeiros para possuir seu próprio projetor e acesso ao tráfico de material pornográfico, que era ilegal.


Para se freqüentar uma sala requintada do centro, como o foram os Cines Marabá, Ipiranga, Marrocos e Anchieta entre outros, era necessário estar “adequadamente trajado” – entenda-se: terno e gravata para homens e vestido abaixo dos joelhos e decotes discretos para as mulheres. Caso contrário, a entrada era barrada.


A decoração das salas de cinema mais badaladas era extremamente requintada, incluindo painéis artísticos nas paredes e primorosos projetos de design para ambientes internos de alto luxo.


Não podemos deixar de falar dos famosos lanterninhas, que eram uma espécie de recepcionista, geralmente uniformizado no estilo de atendentes de hotéis de luxo. Portava um farolete (daí o nome) e tinha por função recepcionar os freqüentadores e conduzi-los aos lugares mais confortáveis, ou acompanhá-los caso quisessem se ausentar da sala por algum motivo, para que não sofressem algum tipo de acidente e para minimizar o estorvo aos demais.


Durante as matinês, os lanterninhas se transformavam em bedéis que zelavam pela disciplina das crianças e adolescentes, garantindo uma exibição confortável e tranqüila sem estorvos, já que era comum grupos de adolescentes prepararem traquinagens que complementavam sua diversão no cinema, sendo as mais “clássicas”: o chiclete grudado na poltrona que sujava a roupa do próximo a se sentar ali, as bolinhas de papel atiradas nos espectadores mais concentrados, as vaias e versinhos sacanas cantarolados durante as cenas mais polêmicas.


As pessoas iam aos cinemas para ali ficar por pelo menos quatro horas ou mais, já que as sessões costumavam exibir dois filmes: sempre alguma reprise ou produção de segunda linha, seguida pelo filme principal. Além disso, as grandes produções dos anos 50, 60 e 70 costumavam ultrapassar três horas de exibição, como no exemplo de clássicos de estupendo sucesso como Ben Hur e Dr. Jivago entre outros.


Não somente a sessão era dupla, mas também no intervalo entre os longas eram exibidos curtas, geralmente de produção nacional dada a lei protecionista que a isso obrigava as salas. Nesta questão, é impossível não se recordar dos maravilhosos cinejornais do Primo Carbonari, em especial das suas espetaculares reportagens futebolísticas as quais até hoje são apreciadas.


Em resumo: o contato do público com a sétima arte era bem mais intenso e diversificado que hoje... assim como era bem mais controlado pelo poder público.


Era usual lançar mão das reprises, algo totalmente impensável para as salas de hoje. Por exemplo, eu cheguei a assistir por umas duas ou três vezes além do lançamento, a reprise de Guerra nas Estrelas no cinema, que várias vezes voltou ao cartaz em algumas salas nos dez anos subseqüentes ao lançamento.


Cheguei a assistir reprises nos anos 80 de filmes PB produzidos nos anos 50 e 60, como Marcelino Pão e Vinho e Dio Come Ti Amo.


Assim, para um filme ir para a TV, já devia estar “bem batido” no cinema; por exemplo, o megaclássico Os 10 Mandamentos dos anos 60 só foi para a TV nos anos 80, depois de ter sido reprisado a fartar nos cinemas... e chegou na TV não como um filme qualquer para tapar buraco num horário de pouca audiência, mas como uma super atração a ser exibida em data e horário especiais com forte aparato de divulgação.


Isso nos mostra como a força das obras cinematográficas era bem maior e menos banalizada que hoje.


Na segunda metade dos anos 80, o mercado cinematográfico começou a assumir novas características com o incremento dos meios de comunicação, o advento dos shoppings que alteraram significativamente o conceito de sala de exibição, e o surgimento do VHS.


O fim da ditadura militar afrouxou a censura, já que todo aquele aparato descrito acima tinha como objetivo mais a censura política que moral.


O advento da pornochanchada com sua pseudo-pornografia abriu as portas para a banalização do gênero sexo explícito que disparou em produções nacionais e depois estrangeiras.


O lançamento dos eróticos Calígula e O Império dos Sentidos nos anos 80, obras de conotação erótica, porém de sólido fundamento cinematográfico, serviram de argumento para os produtores nacionais obterem anuência do poder público.


Foi o início de uma época de radicais mudanças e de decadência nos formatos tradicionais das salas de cinema.


Para sobreviver, as salas regionais tiveram que aderir rapidamente sessões duplas de pornografia + produções orientais thrash que banalizavam as artes marciais, baixando significativamente o preço dos ingressos, atraindo assim um público composto basicamente de pessoas de baixa instrução e pouco poder aquisitivo, do sexo masculino.


As salas centrais conseguiram resistir um pouco mais ao fenômeno, mas não por muito tempo, inclusive incluindo em suas programações pseudo-espetáculos teatrais de sexo explícito ao vivo, ampliando a decadência e o alcance da famosa boca do lixo, região de prostituição do centro de São Paulo.


Após esta fase, muitas dessas antigas salas transformaram-se no final dos anos 80 em estacionamentos ou igrejas evangélicas, até terem seu projeto arquitetônico demolido ou modificado para outros fins.


As tradicionais salas Ipiranga e Marabá, na avenida Ipiranga, imediações da Praça da República no Centro Novo Paulistano foram as que mais heroicamente resistiram à nova tendência, estendendo até os anos 90 a oferta de uma programação de qualidade, incluindo lançamentos.


Explicado então como era o cinema da época, e visto um breve histórico das transformações no consumo cinematográfico, voltemos à Sessão da Tarde, cuja relação com o cinema está no fato de que ela era uma das principais alternativas para se ter acesso ao cinema a baixo custo, e sem os apelos e prazos de cunho comercial que o mercado impõe nos dias de hoje, dada a concorrência da TV paga, e do DVD, sucessor tecnológico do VHS.


Havia filmes famosos, que muitos desejavam assistir ou mesmo rever, pelos quais esperava-se pacientemente a exibição na TV aberta.


Sinônimo de "reprise da reprise da reprise", os filmes iam para a Sessão da Tarde só após terem sido exibidos pela primeira vez na TV nas noites de sábado, pontualmente às 21 horas. Era a sessão Primeira Exibição, que marcou época na Globo e pode ser considerada a precursora da sessão Tela Quente. A mudança de dia e horário ocorreu justamente por causa das mudanças dos costumes e no comportamento do público.


Desta fase à qual me refiro podemos destacar alguns clássicos - entenda-se, filmes exibidos e reprisados a fartar sem reclamação do público. São alguns deles:


As adaptações de Julio Verne: Viagem ao Centro da Terra, Volta ao Mundo em 80 Dias e Robour, o Conquistador.


As produções que exploraram o sucesso de Elvis Presley nos anos 50 e 60 como: Saudades de um Pracinha, Garotas, Garotas, Garotas, Feitiço Havaiano.


O Garoto da Bolha de Plástico, primeiro sucesso de John Travolta, então um adolescente anterior aos Embalos de Sábado à Noite e Grease.


No Tempo dos Dinossauros, um Jurassic Park dos anos 60.


Os pastelões de Jerry Lewis, o indiscutível inspirador do comediante Jim Carrey, em filmes como: Ou Vai ou Racha e Rabo de Foguete.


Infanto-juvenis que encantam gerações como: Ali Babá e os 40 Ladrões; longas de animação como Alakazan e O Príncipe e o Dragão de Oito Cabeças (Suzano), clássica adaptação de um conto japonês.


Algumas produções nacionais, especialmente as de Renato Aragão e os Trapalhões (na sua formação mais clássica), como Simbad e o Marujo Trapalhão e As Minas do Rei Salomão; infantis americanos como Os Cinco Mil Dedos do Dr. T. e O Mágico de Oz.


Tudo isso sem contar as dezenas de westerns como Assim Caminha a Humanidade e filmes de guerra como Tora Tora Tora ou raridades como A Lenda da Estátua Nua.


Clássicos que tiveram remake filmados recentemente, como A Máquina do Tempo, Pearl e... o considerado clássico dos clássicos da sessão da tarde: A Fantástica Fábrica de Chocolate.


Procurei muito e as citações desta época da Sessão da Tarde na web são raras. Talvez porque a geração que vivenciou isso, hoje com mais de 40 anos, infelizmente não está digitalmente incluída em sua maioria.


Enfim, estudar a história da Sessão da Tarde tranqüilamente daria uma tese acadêmica sobre a percepção do cinema e entretenimento no Brasil.


Douglas Gregorio::
Março de 2008.

quarta-feira, agosto 15, 2007

O FENÔMENO DA INTERNET


A internet é mesmo um fenômeno.
Uma jovem senhora grava um videoclip onde, de forma romântica, sugere que seu vizinho rabugento pratique sodomia passiva, e em questão de horas transforma-se no maior fenômeno de mídia dos últimos tempos.
Tá, eu sei, dá vontade de mandar, mas contenha-se.

sexta-feira, junho 15, 2007

TAXI DRIVER

O que dizer, portanto, das inter-relações dentro do formigueiro?
Tubarões devoram seus irmãos dentro do útero materno. Formigas devorariam também seus irmãos?
Que animal é esse o qual não raro goza de prazer ao torturar seu semelhante?
Ta bom, descobri a América né?! Nunca falaram nisso né?!
Sempre falaram, mas sempre o fizeram.
É que já estou cansado de colocar gelo em meus hematomas.
Não tenho outra opção senão continuar vivendo, custe o que custar.

Abril de 2007.

O ESCARAVELHO

Acredito que o raciocínio dos egípcios antigos a respeito do culto do escaravelho tenha relação com o processo de mumificação.
O coração era retirado antes de que se procedesse o processo propriamente dito, embalsamado e colocado num pequeno vaso especial, sagradíssimo.
Assim, para que a vida continuasse, outro coração vivo precisava substituí-lo.
O escaravelho representava Kepher, o deus do poder invisível da criação, e assim como ele empurra a bola de esterco a qual dará origem à nova vida, em seus ovos que ali seriam depositados, Kepher era aquele que epurrava pela abóbada celeste o provedor da vida, Rá, o sol.
Assim, o escaravelho sagrado substituindo o coração não somente representava a proteção do morto em sua jornada no mundo subterrâneo, como também seria a garantia de uma nova vida e existência.
O conjuro mágico do Livro dos Mortos sobre o escaravelho sagrado que era colocado no lugar do coração do morto era o seguinte: Sou Toth, inventor e fundador da medicina e das letras. Vinde a mim, tu que estás embaixo da terra. levanta-te para mim, tu, grande espírito.






PROZAC VIRTUAL


Caminhos da vida.

Ruas que se cruzam sem mão de direção.

Esperança perdida das ondas cibernéticas que estão acima de real e virtual.

Múltipla confusão pós-moderna de liberdades, identidades, mais desigualdades que igualdades.

A torrada no café em suas relações com o aquecimento global.

Fui...


Maio de 2007.

sexta-feira, abril 06, 2007

BRAGUINHA - 100 ANOS.

Caro leitor, você que foi criado no Brasil certamente, ao longo de sua vida, deve ter ouvido algumas músicas como: “Chiquita Bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica” ou então “ Capelinha de melão, é de São João, é de cravo, é de rosa é de manjericão”, e mais: “Euuuu fui às touradas de Madri parará tim bum bum bum”... sem falar naquela: “Adeus amor eu vou partir e nunca mais voltaaarrr”...
E quando criança você deve ter brincado cantando: “Pirulito que bate bate, pirulito que já bateu”... e deve ter visto aqueles desenhos da Disney, como Branca de Neve em que os anões cantam: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou” e também deve ter visto os três porquinhos provocativos: “Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau?!”
Quando você estava na escola ouviu sua professora contar a história da Dna. Baratinha e cantar: “Quem quer casar com a Dna. Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha?”? Ou chegou a “pular carnaval” ainda ao som das tradicionais marchinhas como “Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mau!” ou ainda “A Estrela Dalva... e as pastorinhas...”
Alguém se lembra da Gal Costa cantando: “Um balancê, balancê... quero dançar com você, entra na roda morena pra ver, um balancê balancê!”
E o recente sucesso do cantor sertanejo Leonardo: “E veste a calça Saint Tropez e deixa o umbiguinho de fora...” e que namorada não sonhou com seu amado lhe cantando, Carinhoso: “Meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê!”
Chapeuzinho Vermelho cantava: “Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar estes doces para a vovozinha!”
Bem, depois de tantas lembranças, de músicas tão diferentes, de épocas tão distantes umas das outras, você deve estar perguntando o porque de tudo isso. Porque o importante é saber o que elas todas têm em comum, além de serem todas elas sem exceção músicas de muito bom gosto, muito bem feitas, que fizeram bastante sucesso e se tornaram parte da cultura musical brasileira, sendo da memória e conhecimento de todo o nosso povo... elas simplesmente têm em comum ter atrás de sí o compositor BRAGUINHA, que estaria completando 100 anos no final do mês de março de 2007 se não tivesse falecido no natal do ano passado.
Ao contrário da maioria das lendas cariocas da MPB, Braguinha não teve sua origem nos morros do Rio. Nascido no seio de uma família de classe média, abandonou a carreira de arquiteto para dedicar-se à sua paixão, a música.
Como na primeira metade do século XX era ultrajante para um pequeno burguês viver da música popular, ele e outros parceiros seus da época decidiram adotar pseudônimos de passarinhos. Foi justamente aí que o jovem Carlos Alberto Ferreira Braga ficou conhecido como o “João de Barro”. Por que justamente o João de Barro? Ora, não era ele um ex-arquiteto? E qual pássaro também é construtor de casas?!
Nos anos 30, Braguinha forma com seus amigos (entre eles Noel Rosa) sua banda, chamada de “Bando dos Tangarás”, tendo como vocalista o “Almirante” que mais tarde veio a tornar-se seu cunhado.
Como vimos, não somente a música popular trás consigo o legado de Braguinha, mas também o cinema. Foi ele o responsável por diversas dublagens e versões importantes para diversos filmes estrangeiros e trilhas para filmes nacionais.
Diversos filmes da Disney como Bambi, Dumbo, Pinóquio além dos já citados tiveram a chancela de Braguinha.
Quem viveu a infância nos anos 60 e 70 certamente deve se lembrar daqueles pequenos compactos de vinil colorido que traziam consigo diversas canções infantis e narrações de histórias, da coleção “Disquinho”... sim, isso mesmo, Braguinha estava por detrás destas produções.
Não tão conhecidos como seus trabalhos musicais, Braguinha foi diretor e roteirista da Cinédia.
Exemplo de gênio artístico, versátil e indiscutivelmente bem sucedido dados os sucessos que sobram ao longo de sua obra, a cultura brasileira pode se orgulhar de ter entre suas estrelas o brilho de Braguinha. Parceiro de mitos como Noel Rosa, Charles Chaplin (isso mesmo, você leu direitinho, o próprio Carlitos), do médico homeopata Alberto Ribeiro que foi seu melhor amigo e parceiro ao longo da vida, a influência de Braguinha estende-se pelas décadas posteriores à sua aposentadoria.
Grandes estrelas da MPB do presente e do passado foram influenciadas pela obra de Braguinha, tais como Orlando Silva, Carmem Miranda, Gal Costa, Leonardo, João Bosco, Elis Regina entre diversos outros.
E como podemos encerrar esta homenagem? Cantando? Boa idéia... mas o que? É muuuita coisa... “Chegou, a turma do funil... ha ha ha ha, mas ninguém dorme no ponto!”... “Loirinha, loirinha, seus claros olhos de cristal... desta vez ao invés da moreninha serás a rainha do meu carnaval!”

Abril de 2007.

Foto: monumento a Braguinha, no Rio de Janeiro, em foto de minha autoria de 2005, próximo ao túnel do Leme.

Links:

http://braguinha.ag.com.br/

http://www.mpbnet.com.br/musicos/braguinha/

http://www.samba-choro.com.br/artistas/braguinha

http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Alberto_Ferreira_Braga

quinta-feira, janeiro 18, 2007

A ÉTICA NA COMUNICAÇÃO


Um comentário que começa a partir de uma definição objetiva dos conceitos de ética e moral, as principais influências em nossa cultura e o comportamento dos meios de comunicação hoje.

Ética e moral – conceitos.

A primeira vista e segundo o senso comum, ética e moral aparecem como termos sinônimos. Porém, para que possamos discutir o conceito de ética de forma mais completa, torna-se necessário aprofundar este significado do modo como ele aparece na tradição filosófica ocidental.

Vamos partir então do estabelecimento da diferença entre os conceitos dualistas bem e mal de um lado, e bom e mau de outro.

Numa prova ginasiana seríamos elogiados pelo professor de língua e literatura se explicássemos a diferença falando que os primeiros dizem respeito a substantivos, e os segundos a adjetivos.

Apesar desta significação básica e gramatical dos conceitos lançarem uma pista para aquilo no qual queremos chegar, ainda não é o suficiente.

Vamos então nos cercar nesta pista gramatical – enquanto substantivos podem ocupar a posição de sujeito da oração, os adjetivos forçosamente são predicados, ou seja, qualidades aplicáveis a determinados sujeitos.

Uma vez sendo sujeito pressupõe-se que se trata de uma entidade autônoma ao nosso conhecimento, enquanto o segundo, predicado, não tem sentido se não aplicável ao primeiro.

Assim, bem e mal estão nos domínios da moral na medida em que são aplicáveis a princípios universais da cultura que regem julgamentos e comportamentos – princípios transcendentes por independerem de situações específicas e circunstanciais para serem aplicados.

Ética, por sua vez, está no domínio do bom e do mau, da relatividade imanente ao sujeito em questão, ou seja, se efetivam em situações específicas e circunstancias.



Reflexão moral – legítima quando decorre de uma ação não coagida.

A reflexão moral, portanto, partindo do postulado acima, leva-nos à seguinte conclusão: ela surge de um acordo entre as partes que acatam princípios morais universalizando-os, pelo menos no tocante ao universo daqueles que culturalmente adotam uma codificação moral em comum.

No que diz respeito à civilização ocidental, temos então um panorama histórico de reflexões sobre a essência da moral a qual passamos a discorrer de forma resumida.

Para Platão, um dos mais completos estudiosos da cultura ocidental, a moral é aquilo que você não faria mesmo que fosse invisível.

Na idade média, os filósofos parecem ter centrado a questão ética sobre a polêmica entre vontade divina e livre-arbítrio. Institucional e politicamente o debate recaia sobre quem teria o direito de interpretação da vontade divina, debate este que antecedeu o movimento reformista e a contra-reforma.

Na modernidade, a reflexão ética recaiu sobre a universalidade das decisões morais, como podemos observar em Espinosa, Descartes, Kant e outros.

Kant desenvolveu uma teoria que até os dias de hoje, provavelmente é a mais influente: a teoria do Imperativo Categórico, que diz respeito a uma fórmula universalista de definição dos critérios morais.

Na contemporaneidade, Nietzsche colocou em cheque a universalidade dos imperativos morais; ainda mais recentemente, Adolfo Sanches Vasquez, pensador mexicano de linha marxista considerou a ética como a ciência da moral.

Enfim, parece que esta discussão iniciada na modernidade perdura pela contemporaneidade – qual o critério de definição dos imperativos morais e quem tem legitimidade de estabelecer tais critérios?!



Ética na comunicação

Sobre o tema ética na comunicação, a discussão objetiva o estudo sobre os efeitos que as mensagens exercem sobre seus receptores.

Ocorre então na comunicação hoje um procedimento de cunho pragmático: o valor moral não depende da ação em si, mas sim dos efeitos produzidos.

Um conflito na comunicação Pode-se observar entre as concepções kantianas nos quais a ação em si é julgada, e a concepção maquiaveliana, onde “os fins justificam os meios”.

Os meios de comunicação de massa exercem um procedimento de leitura da realidade onde a linha entre o ético e o cínico encontram uma tênue divisão.

Isso pode ser explicado na medida em que analisamos os procedimentos jornalísticos vigentes nos dias atuais.

O que ocorre é a filtragem que transforma a media agenda em public agenda. Media agenda trata-se de todo o levantamento de fatos encaminhados aos agentes decisores da editoração que selecionarão o que vai compor a public agenda – aquilo que será publicado.

Qual é a legitimidade que as chefias de editoração dos departamentos jornalísticos dos meios de comunicação de massa possuem para exercerem o papel de juízes que farão a leitura do real traduzida naquilo que vai ao ar, e da forma que vai ao ar: quais os ênfases, quais os enfoques, quais as prioridades, qual a distribuição e classificação das notícias?! E principalmente, quais os critérios utilizados?!

Por outro lado, existe também a postura ética do receptor das mensagens nos meios de comunicação de massa.

Uma polêmica ocorre entre os estudiosos do tema: a audiência em si assume uma postura passiva, absorvente, e vulnerável diante dos meios de comunicação de massa, ou possui senso crítico desenvolvido o suficiente para descartar e mesmo reagir a respeito daquilo que os meios procuram transmitir?!

Na verdade, esta polêmica ao que parece encontra uma solução na seguinte constatação: a de que os meios por si só não possuem poder de definir a opinião de forma absoluta, integrando sim uma rede de fatores que o fazem, mas não de forma independente e isolada.

Essa limitação dos efeitos da mídia teria uma dupla causa: de um lado, a existência de uma rede de comunicações interpessoais que concorrem na produção e principalmente na difusão de informações e, de outro, os mecanismos seletivos que cada receptor coloca em prática e que condicionam a sua exposição, atenção, percepção e retenção da mensagem recebida.[1]


[1] Barros Filho, C. / ÉTICA NA COMUNICAÇÃO / São Paulo, Moderna, 1997 – p. 127.