segunda-feira, maio 31, 2004

Tróia

Segue um comentário do filme Tróia, com explicações literárias, arqueológicas e mitológicas, bem como indicações de livros e outros filmes do gênero.
TRÓIA (Troy) - E.U.A - 2004
Brad Pitt como AQUILES.
Eric Bana como HEITOR.
Orlando Bloom como PÁRIS.
Diane Krueguer como HELENA.
Sean Bean como ODYSSEUS (Ulisses).
Direção de Wolfgang Petersen.
Roteiro de David Berniof, baseado no poema A ÍLIADA de Homero.
Estúdio: Warner Bros.
Tempo: 165 minutos.

É claro que um helenista (aficionado de cultura grega) como eu não poderia se furtar a assistir e comentar um filme como este. Quando soube que estava sendo preparado o lançamento de Tróia há alguns meses, uma ansiedade muito grande tomou conta de mim. Acredito que fui recompensado.

Meu primeiro contato com a mitologia grega deu-se por volta dos meus dez anos, quando então li as obras de Monteiro Lobato "O Minotauro" e "Os Doze Trabalhos de Hércules".

Desde aquela época, meu interesse por mitologia em geral, em especial a grega e a egípcia nunca mais acabou.

Um cego não pode escrever... então ele conta suas histórias oralmente. Assim foi Homero, o rapsodo grego que desenvolveu os poemas orais, posteriormente escritos não se sabe por quem, que deram origem a duas das principais obras da mitologia grega: a Ilíada e a Odisséia, sendo a primeira inspiração para o grande lançamento da semana: TRÓIA.

Após o sucesso de Gladiator (2000), Holywood está tentando retomar o sucesso dos grandes épicos que "arrebentaram" nos anos 60, com destaque para "Spartacus" e "Ben Hur". E Tróia, esta superprodução que já está batendo recordes (porém, não todos os que seus produtores esperavam) está vindo nesta linha.

O filme não faz menção aos aspectos mitológicos do poema, privilegiando o aspecto histórico. Infelizmente. Talvez porque a imensa variedade de versões dos mitos faz com que isto se torne um tanto que impreciso.

Tirando a "carinha de bebê" de Brad Pitt, julguei sua representação de Aquiles muito condigna para com o mito. Talvez um Schwarzenegger reunisse imagem e genialidade dramática para conduzir o papel atendendo à expectativa mítica de forma mais completa, porém, Brad Pitt encarnou a rudez e a friesa do sanguinário semideus Aquiles de forma aplaudível, e mesmo genial. Além disso, o mais famoso brutamontes do cinema deve estar mais ocupado com seus compromissos de governador da Califórnia.

Como podemos observar, é claro que Tróia deve ter custado a Brad Pitt vários meses de musculação intensiva, e talvez... provavelmente... ajudado por anabolizantes... ou ainda por algum tratamento especial de imagem.

O clima de aventura toma conta do filme do primeiro ao último minuto, e podem acreditar: nem se sente os 165 minutos passarem.

Cenários e figurinos espetaculares. Fotografia e efeitos especiais idem. Além da atuação memorável de Brad Pitt, Eric Bana "arrebentou" com sua formidável representação do herói Heitor que quase ofuscou Brad Pitt. Com certeza, Diane Krueger fez jus ao papel de Helena, a mulher mais bela do mundo, de certo que pouco destaque teve ao longo do filme.

Filme rodado no litoral mexicano, com uma série de problemas, entre eles nada mais, nada menos que dois furacões, e, coincidência irônica do destino, Brad Pitt sofreu uma lesão no tendão de Aquiles e as filmagens precisaram ser suspensas por duas semanas.

No final do filme, no discurso de encerramento de Odysseus (Ulisses) ocorre uma dica: parece que teremos a continuação da história num novo filme, muito provavelmente na continuação do poema de Homero, a Odisséia, que narra o retorno de Odysseus para a ilha que reinava, Ítaca, retorno esse que veio a durar vinte anos devido à maldição do deus do mar Posseidon, um dos protetores de Tróia.

A guerra de Tróia segundo a mitologia clássica: Aqueles que viriam a ser os pais de Aquiles, a nereida (deusa do mar) Tétis e o mortal Peleu decidiram se casar. Então, ocorreu uma grande festa no Olimpo. Éris, a deusa da discórdia foi desconvidada. Ofendida, rumou ao Jardim da Hespérides e obteve o valioso fruto de ouro, o "Pomo das Hespérides", que seriam as valiosas frutas de ouro maciço que traziam também poderes místicos, um tesouro cujo acesso era negado até mesmo aos deuses.
Éris lançou no meio da festa o pomo de ouro com a inscrição: "À mais formosa". Hera (Juno), Atena (Minerva) e Afrodite (Vênus) começaram então a brigar entre si pelo prêmio. Estava feita então, a discórdia. Daí a expressão "pomo da discórdia".

Para resolver o impasse, os deuses decidiram convidar o mortal Páris para decidir. Assim, Hera lhe ofereceu riqueza e poder, Atena, sabedoria e sagacidade guerreira e Afrodite, o amor da mulher mais bela do mundo. É claro que Afrodite acabou levando o pomo de ouro. Só que a mulher mais bela do mundo já era casada: Helena, esposa de Menelau, rei dos gregos, primo do general Agamenon. Com a ajuda de Afrodite, Páris rapta Helena, e esta se apaixona por ele, e passam a viver em Tróia (Ílion - daí Ilíada).

Menelau e seus parentes não se conformam com a afronta e partem com uma frota de mil navios cheios de soldados para resgatar Helena de Tróia, cercada por muros que jamais foram transpostos por inimigos.

O exército grego tinha como seu mais destacado guerreiro Aquiles, o aqueu, líder da elite dos guerreiros, os Mirmidões. Extremamente hábil em todas as artes bélicas, Aquiles era dotado da força dos deuses. Sua mãe, Tétis, no ato do seu nascimento, segurando-o pelos pés o mergulhou no Rio Styx (Estíge ou Estígia), o rio que banha o reino dos mortos, tornando-o invunerável, exceto pelos calcanhares por onde foi segurado. Junto de Aquiles seguia o rei de Ítaca, não menos destacado guerreiro, conhecido pela apurada astúcia, seu melhor amigo, Odysseus (Ulisses). Havia uma profecia que dizia que se ele, Odysseus, partisse para Tróia, não voltaria para sua casa em menos de 20 anos. Outra versão diz que essa era uma maldição de Posseidon (Netuno), deus do mar. A história destes vinte anos originou o outro poema de Homero, a Odisséia, já retratada no cinema nos anos 60 sob o título de "Ulisses".

Os Troianos, por sua vez, seriam defendidos por seu mais destacado guerreio Hector (Heitor), "o domador de cavalos", pelo seu rei e pai Príamo e seu irmão Páris.

Estava feita a guerra.

Anos e anos se seguiram de batalhas e batalhas, até que Aquiles entrou em desacordo com Agamenon sobre a posse de Criseida (Briseida em algumas versões), sacerdotisa de Apolo, protetor de Tróia, feita refém durante a profanação do templo de Apolo por Aquiles. Em algumas versões, ambos teriam se apaixonado. Este decidiu retirar-se da batalha, baixando a moral dos exércitos gregos, dado que, quando ele estava em batalha, a vitória era certa.

Então, o Mirmidão Pátroclo, o principal pupilo de Aquiles (seu primo em algumas versões), vestiu sua armadura e assumiu seu lugar nas batalhas, sendo morto por Heitor que o confundiu com Aquiles. Inconformado com a morte do discípulo, Aquiles retorna ao combate, forçando a volta dos troianos para dentro de seus muros, exceto de Heitor que bravamente decidiu enfrentá-lo. Por três dias Heitor foge de Aquiles correndo em torno dos muros de Tróia até que, finalmente, recebe um golpe com a lança de Peleu, pai de Aquiles, na garganta.

Para humilhar os troianos, Aquiles amarra Heitor pelos pés e o arrasta num grotesco espetáculo.

Mais tarde, Tróia é finalmente invadida através de um plano de Odysseus. Os navios gregos se retiram, fingindo rendição, porém, se escondem numa baía entre as montanhas. Deixam como sinal de rendição um presente: uma grande escultura de um cavalo. Os troianos festejam e se embebedam, baixando a guarda, levando o cavalo para dentro dos muros de Tróia como um troféu.

Porém, na calada da noite, de dentro do cavalo surge um tropa grega, entre os quais Odysseus e Aquiles, que prontamente iniciam o saque em Tróia, abrindo os portões para as tropas gregas que até então estavam escondidas.

Mais tarde, os troianos se rearmariam e mais guerras se dariam, sob o comando de Enéias.

Muitos, muitos mais detalhes, personagens e versões deste mito existem, algumas retratadas no filme, e várias outros não. Porém, é basicamente esta a passagem que foi utilizada pelo roteirista.

Dicas de livros:
Homero / Odisséia / Trad. A. P. Carvalho/ Abril Cultural, São Paulo, 1981.
Bulfinch, T. / O Livro de Ouro da Mitologia / Trad. David Junior / 25ª / Ediouro, Rio de Janeiro, 2001.
Pinsent, J. / Mitos e Lendas da Grécia Antiga / Trad. O. M. Cajado / 2ª / Edusp-Melhoramentos - São Paulo 1978.
Lobato, M / Os Doze Trabalhos de Hércules - Tomos 1 e 2 / 13ª / Brasiliense - São Paulo, 1965.
Existem um sem-número de títulos versando sobre mitologia grega em geral e sobre a guerra de Tróia.

Dicas de filmes:
"Fúria de Titãs", dir. Desmond Davis, Warner Bros. - E.U.A. 1981 - 118 min., com Harry Hamlin, Lawrence Olivier, Ursula Andress, Judi Browker.
Narra o mito de Perseu, o herói que decepou o pescoço da Medusa, o monstro que transformava em pedra as pessoas que o olhassem nos olhos, domando Pégaso, o cavalo alado, lutando contra Tritão, o monstro dos mares, pelo amor de Andrômeda.

"Ulysses", dir. Mario Camerini - Itália, 1954, 104 min., com Kirk Douglas e Anthony Quinn. Narra a "Odisséia", poema de Homero que é continuação da Ilíada, com o retorno de Ulisses (Odysseus) vivido por Kirk Douglas. Rei de Ítaca, viveu um atribulado retorno errante durante 20 anos para sua casa, após a guerra. Nele são retratadas passagens mitológicas muito conhecidas, tais como o episódio em que Ulisses ordena que seja amarrado ao mastro de seu navio, tapa os ouvidos de seus homens com cera e se delicia com o canto das sereias, ou ainda sua luta com o cíclope Polifemo, gigante de um único olho no meio da testa.

DOUGLAS GREGORIO::
Maio de 2004.