domingo, fevereiro 01, 2004

Carandiru Superstar

História viva, uma lenda urbana: Carandiru Superstar.
Resumo - Trata-se da crônica de uma visita ao presídio do Carandiru nos dias que se seguiram à sua desativação no ano de 2002, com a descrição detalhada dos aspectos físicos e depoimentos de carcereiros e visitantes.

Como todos sabemos, o maior presídio da América Latina hoje não existe mais. A Casa de Detenção do Estado de São Paulo, mais conhecida como "Carandiru", foi desativada há algumas semanas. Necessidade, inadequação, propaganda política em véspera de eleição... fato é que o Carandiru deixou de existir, e está aberto à visitação pública.

Antes de prosseguir, cabe aqui algumas explicações: o Complexo Penitenciário do Carandiru continua ativo. Ele é composto de uma série de instituições penais, como a Penitenciária do Estado e a penitenciária feminina. A instituição desativada foi a maior e a mais problemática de todas elas, a já citada Casa de Detenção. As demais continuam ativas.

Era uma quinta-feira, dia três de outubro de 2002. Céu parcialmente nublado, tarde de calor em início de primavera. Após uma visita ao dentista cujo consultório fica nas imediações do Carandiru, senti-me como que contaminado pela febre da curiosidade. Bastava alguns poucos quarteirões e a travessia da avenida Cruzeiro do Sul que eu estaria lá dentro... da cadeia!

Será que foram simplesmente as circunstâncias que me levaram a visitar o Carandiru? Não acredito. Caso contrário não teria saído de minha casa com a máquina fotográfica abastecida.
Nojento, bizarro, triste, pavoroso... sabe-se lá quais os adjetivos que melhor classificam a sensação de estar próximo ou simplesmente se pensar no Carandiru. Mas posso afirmar com toda segurança que o estranho fascínio que me atraiu na oportunidade de conhecê-lo por dentro não contaminou só a mim, como você leitor verá a seguir.

Após fazer as minhas orações e pedir proteção espiritual - ora bolas, é um direito que eu tenho, afinal de contas estava adentrando um local de comprovada aura macabra - cheguei ao Carandiru, e de início fiquei um pouco surpreendido em estar vivenciando a situação de estar pisando num solo que foi proibido por muitas décadas.

Logo na fachada, na avenida Cruzeiro do Sul, uma faixa sobre o portal que dizia: CASA DE DETENÇÃO ACABOU, e pequenos cartazetes de computador colados nos muros à altura dos olhos, dizendo: "visitas de terça a domingo, das dez às dezesseis horas. Depois, fiquei sabendo que a visitação se encerra no dia 20 de outubro.

Primeira parte: corredores fechados por grossos e pesados portões de ferro que separavam cada estágio do prédio: pátio de estacionamento, pátio de recepção, "hall" principal que dava acesso aos pavilhões e outros.

Algumas placas toscas indicavam os caminhos a seguir. Eu tinha opção de ir para a esquerda, ou para a direita, e escolhi esta última. Antes, tive de fornecer nome e telefone a um dos dois recepcionistas engravatados que habilmente digitavam estes poucos dados de cada um dos visitantes... muitos visitantes.

Se não me falha a memória, comecei pelo pavilhão,... 10? 7? 6? Sei lá, comecei por um dos três que estavam abertos à visitação.

Mais muros, mais portões pesados até finalmente chegar num portal fechado pelas tradicionais barras verticais que nos lembram muito bem uma cadeia.

Entrei.

A primeira coisa que avistei foi uma placa branca esmaltada com letras em azul-marinho que dizia: “Jesus Salva”, placa esta marcada pelas sucessivas pinturas de parede que com certeza ocorreram ao longo dos anos.

Na sua porção mais central onde naturalmente circulam as pessoas, os degraus das escadas estavam tão desgastados pelo uso contínuo durante anos sem manutenção que exibiam polidos tijolos que ficavam por debaixo de uma camada de concreto que não existia mais. As paredes... pois bem... mesclando uma estética que girava entre o “sentimentalmente brega” ao “excessivamente comercial”, eram artísticamente decoradas... é sério, acreditem. A cada patamar das escadarias tinhamos um grande painel, um afresco, sim, afresco, sem exagero.

Primeiro painel: um grande coração florido com a frase: "mãe, parabéns pelo seu dia!"; com as paredes em branco salpicado de bolinhas vermelhas e verdes, do tamanho da circunferência de uma laranja.

Segundo andar, um painel imenso: Hércules, personagem Disney reproduzido com extrema perfeição de formas e cores, numa cena que envolvia vários outros personagens do filme.
Terceiro andar, Pocahontas, idem.
Talvez nesta narrativa eu esteja trocando a ordem dos painéis, o que não compromete a descrição.

Finalmente, o quarto andar. Um funcionário indicava a direção a seguir. Um longo e sombrio corredor de poucas janelas, fios elétricos aparentes no teto, tudo em azul-marinho descascado. Agora sim, a coisa parecia ficar com cara de cadeia. Um infindável número de pequenas portas de ferro pesado, com uma pequena janelinha em retângulo: as celas, abertas sim, porém não era permitido adentrar.

Camas de concreto junto às paredes, um box sem paredes com um vaso sanitário e um chuveiro. A célebre janela quadriculada por barras, de onde vem a expressão: "ver o sol nascer quadrado". Era isso a cela.

Caminhei por um longo corredor. Dobrei à esquerda e, na próxima esquina, uma aglomeração em torno de um rapaz aparentando entre 25 e 30 anos, de óculos escuro, displicentemente sentado num banquinho com os pés apoiados noutro. Crachá de identificação e radiotransmissor na mão. Tratava-se de um dos agentes penitenciários, popularmente conhecidos como carcereiros.

Empolgado, ele explicava às centenas de curiosos como eu que circulavam por ali histórias, lendas e como era a vida no Carandiru.

São algumas de suas explicações. Vou manter o linguajar coloquial e popular, com todos os erros de português:

"A administração só indicava o pavilhão, era o preso novo que tinha que achar um numa cela. Entre estas mais de cem cela, era ele que tinha que achar um lugar pra ficar, não havia controle algum. A administração sabia dizer o pavilhão que o preso ficava, mas a cela que ele ficava só pelo costume, não tinha nada registrado.”

“Bandido é folgado mesmo. Eles tinha no café da manhã: pão com manteiga, pão sem manteiga, frutas, café, e semanalmente cada um recebia um saquinho com duzentas gramas de leite em pó. E quanta gente boa aí fora nem se lembra da última vez que bebeu leite... bandido é folgado mesmo. Se vocês via na TV eles fazendo rebelião porque comia mal, era só desculpa. Nós (funcionários) comia a mesma comida que eles, fornecida pela De Nadai. Bandido é folgado mesmo, quando mais você dá, mais ele qué".

"As duas maior fuga foi uma de quarenta e três presos, e outra de cento e cinquenta e quatro presos. Mas foram exceção, a maioria dos túneis era descoberta antes deles acabá de cavá".

"As cela abria de manhã e fechava às dezesseis hora. Durante o dia eles circulava livre pelo pavilhão e pelo pátio, só não podiam ir de um pavilhão pra outro... de certo que sempre tinha um jeitinho de alguns fazê uma visitinha no outro pavilhão”.

Uns trabalhava, um pouco, mas a maioria passava o dia inteiro sem fazer nada mesmo".

"Toda segunda-feira era o dia do acerto, que era feito aqui, exatamente neste corredor, o corredor dez, que fica mais nos fundo do pavilhão. Era só dois agente para vigiá o pavilhão todo, e ficava dificil controlar o que ocorria aqui, pois até chegá alguém, o fato já tinha acontecido. Eles acertava dívida, diferença, bronca, tudo o que você pudesse imaginar. Era a chamada "segunda-feira nervosa". Nos acerto ocorria as coisa mais estranha possível. Uma coisa que costumava acontecer era a seguinte: se alguém devia demais e precisava pagar com a vida, só tinha uma saída: pagá com sua mulher, caso ele tivesse uma, durante a visita íntima. Isto se o cara achasse a mulher gostosa e aceitasse ela como pagamento. E a mulher... ou concordava, ou perdia o companheiro".

“As rebeliões eram fáceis de identificar: logo pela manhã, o movimento pelos corredores era mínimo, e o silêncio absoluto... a gente já se preparava".

Até o momento eu estava achando que não valia a pena fotografar aquele ambiente horrível, mas resolvi então registrar o dito "corredor dez", e algumas celas... tudo como se vê em filmes: paredes forradas de fotografias de mulheres nuas. Tudo exatamente como eu imaginava. Numa das celas, cheguei a ver uma pequena televisão PB, daquelas que se fabricavam nos anos 70, deixada ali. Com certeza, já não funcionava há anos.

Depois de dar a volta completa no corredor, parei para ouvir outro carcereiro:

"Nas rebeliões, eu tinha que ficar e correr risco, senão eu ia ficá com fama de “bunda mole” e ia perdê o respeito que eu tinha conquistado dos preso”.

“Quando a gente percebia que ia ter rebelião, já pegava o rádio e falava lá na frente: “a chapa está esquentando!".

"Como eu nunca fugi das rebelião, muitas vezes cheguei a ser chamado para mediar rebeliões noutros pavilhões".

"Ah, aquele do Goulart de Andrade, o "eu vou mas eu volto", era um dos preso mais respeitado de todo o Carandiru. Idoso, não fazia mal a uma mosca, só que já não sabia viver lá fora. Cumpriu pena, foi solto, e de propósito aprontou uma pra voltar. A vida dele era aqui".

"Estupros? Não ocorria, exceto na época em que não havia a visita íntima. Porém, a gente sabia da vida deles aqui fora. Depois das dezesseis horas, o que ocorria dentro da cela a gente já não sabia".

"Os túneis nunca eram cavados de dentro pra fora, e sempre de fora pra dentro. Os comparsa alugava uma casa na vizinhança e faziam o trabalho".

"Tinha preso que saia pra tomar uma cachaça lá fora na rua e voltava como se fosse a coisa mais normal do mundo".

"Alguns, quando cumpriam a pena e saiam, nós tinha que acompanhar até a casa de um familiar, e não era raro não encontrar mais ninguém no endereço que eles sabiam. Eles não tinham mais noção de como se atravessar a avenida, tomar ônibus, metrô, apertar botão de semáforo, esqueciam completamente as noções da vida lá fora".

Desci, fotografei painéis e afrescos. Na entrada, parei novamente para ouvir o depoimento do carcereiro que controlava a porta de entrada principal do pavilhão, que constantemente precisava interromper sua fala para pedir pro pessoal que se aglomerava para ouvi-lo liberar o trânsito, pois haviam centenas de pessoas no entra e sai. Ele dizia:

"Bandido é asseado, as celas e o ambiente em geral era tudo muito limpo, pois isto faz parte do regimento interno, é uma questão legal, cabe ao condenado manter o asseio e a organização do local onde cumpre pena. Se vocês estão vendo tudo sujo e bagunçado agora, é por vários motivos. Primeiro, eles mudaram e não iam ficar pra arrumar o resto que ficou pra trás. Segundo, o povo é muito destruidor. Estes riscos que vocês estão vendo sobre as paredes foi a molecada que veio de fora que fez depois que se abriu para visitação”.

“Nos primeiros dias (da visitação) podia entrar nas celas, mas o pessoal começou a levar coisas e destruir o que lá estava”.

“E por último, depois que todos saíram, precisamos entrar e fazer severa revista em tudo para verificar se tinha alguma coisa comprometedora que eles tinham esquecido. Foram encontradas 245 facas".

"Era só reparar: uma coisa é ser pobre, e outra é ser sujo. Uma camisa furada não precisa estar amarrotada ou encardida. Era só reparar, quando a visita era suja, a cela do cara era mais suja ainda. Mas a maioria era muito organizada e asseada".

"Garota, por favor, não faz isso, não grava o que eu tô falando, sou um funcionário público, pode me comprometer".

"O cigarro era a moeda corrente, sempre em maço, e o Derby valia um real. Se vocês repararam, há uma cela com um cartazinho: “vendo toca-fitas por 50 maços".

"Tinha um detento que me pediu para por favor, na frente dos outros não chamá ele pelo nome, pra chamá ele de ladrão, pros outro não tirá sarro dele. Se não chamasse eles de ladrão, eles perdia o respeito dos outros”.

"Eles tinham gíria e uma linguagem muito própria, e a gente (os carcereiros) pra ser respeitado tinha que falar igual. Não adiantava eu pedir para um preso se apressar para sair da cela porque a demora dele estava atrasando todos os demais. Ele ia rir da minha cara. Tinha que chegar e gritar: “ô ladrão, se liga e desengancha sua bica pra não travar a corredeira”. Aí a coisa mudava de figura".
"Travestis, estupradores e jurados de morte pediam proteção, iam pro pavilhão cinco. Não podia levar o cara qualquer hora, tinha que ser planejado, na hora certa, depois que as cela tinham fechado (16 h.), pois do nada podia aparecer um bando e linchar o cara no meio do pátio. Transferir de pavilhão por proteção era uma operação que tinha que ser planejada, e sempre perigosa".

"O Dexter, acredite se quiser, andava por aí com uma quadrada (arma de fogo) na cintura. Nem a gente, nem a polícia, nem os presos tentavam tomar a arma dele, era o todo poderoso e temido, mas eu sei que teve gente aí que comeu a bunda dele".

"Não tinha esta história de superlotação. Se a cela tinha cinco cama, era cinco preso na cela e chega. Preso dormindo de pé amarrado para não cair é folclore. As exceções se dava quando rebeliões em outros presídios mandavam gente pra cá em regime de urgência. Daí a gente negociava com o pessoal e provisóriamente era colocado um colchão no chão, até se arrumar um lugar, o que ocorria em poucos dias".

"Tatuagem tinha todo um código, por exemplo, caveira atravessada por faca era assassino de PM".

"Homossexualismo rolava, mas nada como nos filmes em que preso novo tem que servir de mulher pra todos antes de começar a comer. Eles não forçava ninguém a fazer o que não queria, exceto se alguém rompesse com os esquemas, aí podia acontecer de tudo: um simples “gelo”, uma porrada, uma surra, até ser obrigado a dar a bunda... ou até morrer, tudo dependia da situação".

"O pavilhão nove era um dos melhores. Aquilo aconteceu lá não sei por que. E te digo: a polícia atirou foi porque quem estava lá atirou primeiro, a maioria estava armada. Neguinho saiu daqui aí fora e deu depoimento como testemunha do ocorrido... palhaço! Só viu quem tava lá dentro, os outros pavilhões male-male ouviram o barulho. Ninguém pode testemunhar o que aconteceu de verdade, quem podia morreu".

"Preso com mais de cinco ou seis anos de pena cumprida ia pro pavilhão dois, é mais perto da rua, por isso ia pra lá aqueles que não iam se interessar em fugir".

Os carcereiros eram todos jovens, se passavam dos trinta eram por poucos anos, e estavam se sentindo finalmente valorizados, pois eram os guias, os monitores, os professores, na verdade, o centro das atenções ali, naquele momento, no qual ser carcereiro não era mais uma profissão que lhes causava vergonha e necessitava ser escondida sob o eufemismo "agente carcerário", mas naquele momento, eles eram os “carcereiros do Carandiru”, os arquivos vivos da história que aquelas centenas e milhares de pessoas de todas as classes e idades procuravam ali. E aparentavam serem pessoas de origem de classe média assalariada, muito provavelmente com no mínimo segundo grau.

Depois disso, caminho de volta: portões, pátio, vamos para o pavilhão dois. Gente de todas as idades, em especial jovens presentes, muitas, muitas pessoas. Todos fascinados, curiosos, perplexos, emocionados até, fotografando, filmando... gente com tripé e reflex fazendo fotos profissionais.

Gente aproveitando para vender livros sobre histórias de penitenciária. Dráusio Varella e seu "Estação Carandiru" era o mais citado.

Pavilhão nove, pavilhão nove, eu queria ver o pavilhão nove, todos queriam ver o palco da carnificina, mas ele estava interditado.

No pavilhão dois, pudemos ver algumas das coisas curiosas que os carcereiros haviam dito. Cada pavilhão tinham suas “capelas”, que eram salas comuns reservadas para cultos religiosos, sempre uma para os católicos, outra para os evangélicos e outra para a umbanda. No pátio central do pavilhão dois, uma exposição de arte carcerária: uma série de dezenas de portas de cela com diversas gravuras. Como não poderia deixar de ser, o futebol era tema de muitas das pinturas. Assim, o Corínthians apareceu na maioria das portas, em seguida o São Paulo. O Santos em algumas, mas... eu e outra moça com quem conversava rodamos em meio a todas as portas, e o Palmeiras não apareceu. Ao que tudo indica, os marginais que lá viveram pouco ou nada se identificavam com o Palmeiras. Aliás, a que mais me chamou a atenção foi uma delas na qual a “Morte”, tradicional caveira de manto e capuz negro aparecia empunhando uma metralhadora, em cuja coronha aparecia escrito como se fosse a grife da arma em letras garrafais: CORINTHIANS.

“FIFA - Federação Internacional de Futebol Amador” (sic), exibia um dos afrescos. E novamente a placa "Jesus Salva".

Algumas peças de artesanato e telas toscas pintadas pelos detentos estavam expostas... uma exposição de fotos cujo tema era tatuagens... uma exposição de “maricas”, aquelas pequenas piteiras usadas para se aproveitar até a última cinza das bitucas dos baseados (cigarros de maconha). Celulares apreendidos, desde modelos mais recentes, até os "tijolões" dos primórdios da telefonia celular analógica no Brasil. Fermento feito de pão podre. Tampões para disfarçar entrada de túneis de fuga, "Nêga Maluca", aquela tosca aguardente feita artesanalmente à base de fermentação de casca de laranja e alcoól de limpeza, ou mesmo alcoól de perfumes e desodorantes.

Uma capela da "Assembléia de Deus" sinalizada com uma placa entalhada em letras góticas bem trabalhadas apresentava altar com alfaias, bateria e guitarra elétrica, modelo clássico de templo pentecostalista dos anos 70. Uma exposição de cutelaria improvisada: estiletes, facas, baionetas, espadas com mais de um metro de comprimento, lanças, um machado de dupla face. Não podia faltar a "teresa", corda improvisada de lençóis, e a "gambiarra", resistência de chuveiro com fios que se ligavam a tomadas e lâmpadas com o objetivo de se aquecer água para café nas celas. Panela de fundo falso, sabão esculpido, truques para esconder celulares, armas e drogas.

Saindo deste pavilhão no qual funcionou somente tal exposição naquele museu tão rústico quanto as peças lá expostas, fui para o pavilhão cinco depois que um funcionário passou avisando que ele acabara de ser aberto à visitação.

Visitantes sejam bem-vindos (sic) dizia um grande letreiro pintado pelos presos no muro do pátio principal. Mostrava também: “O Brasil para Cristo”, uma das principais seitas pentecostalistas brasileiras, com um grosseiro mapa do Brasil, porém com um excelente jogo de cores em resplendor dourado, no afresco sob o portal de entrada do pavilhão.
Na porta, uma tremenda duma placa como marco de inauguração do pavilhão, 1965, evocando o governador Carvalho Pinto, então secretário de obras do governador Abreu Sodré, se não me falha a memória.

Corredor estreito, bem estreito. Entrava-se em grupos e a entrada no interior das celas estava liberada. Tudo muito tosco, muito escuro, sem ventilação e iluminação, muito frio. Confesso que senti um arrepio ao entrar numa cela... não repeti a façanha.

Como a água devia estar cortada há dias, emanava um cheiro horrível de esgoto seco das celas, aparelhadas com arcaicas latrinas, aquelas em que se defeca de cócoras.

Portas pesadas e estreitas. As pessoas que circulavam precisaram abrir espaço para um deficiente que por lá passou com sua cadeira de rodas, passando com diferença de poucos milimetros de cada lado.

Assim, retirei-me apressadamente, pois tudo aquilo já estava me cansando, e remontava a quase duas horas de visita. Me detive para mais umas fotos externas naquele vestíbulo, ou melhor, antepátio, o "hall" ao qual me referi no início... última olhada, e queria sair rápido dali.

No pátio que circundava o pavilhão um senhor puxou conversa comigo: “É triste isso né?!... é muito triste pra uma pessoa ter vivido aqui”. Respondi: “Pois é senhor. Veja: a maior parte de quem veio ver isso é formada pela juventude. É bom que eles vejam isso para pensarem antes de fazer alguma coisa que os faça viver aqui. Acho que quem conheceu isso devia preferir ir para o inferno do que viver aqui”. E ele responde, um pouco atrapalhado: “É, é bom que os “mais moço” queira ir pro inferno do que viver aqui, pra não fazê besteira na vida”.

Na porta, véspera de eleições, cabos eleitorais aproveitavam o movimento para distribuir santinhos de seus candidatos, em especial de candidatos que alegavam ter feito pressão sobre o governo pelo fechamento da Casa de Detenção.

Novamente, luz do sol, avenida Cruzeiro do Sul, novamente liberdade.

“Escroto”, mal gosto, fascínio, bizarro, histórico, macabro, demoníaco, lendário, horrível, fedido... os adjetivos para aquele lugar são vários. Mas fato é que esta experiência fascina tanto que lá haviam excursões escolares. Carandiru Superstar.

Douglas Gregorio::
Primavera de 2002.