sábado, abril 10, 2004

Eu sou Spartacus!

Resumo: trata-se de um comentário a um dos maiores filmes de todos os tempos.

Spartacus
Dirigido pelo legendário Stanley Kubrick (Laranja Mecânica, Lolita, 2001 Odisséia no Espaço), estrelado por um dos maiores galãs da história de Hollywood, Kirk Douglas (Ulisses, Minha Filha Quer se Casar, Glória Feita de Sangue, A Montanha dos Sete Abutres), pai do não menos famoso Michael Douglas, e também pelo recentemente falecido Peter Ustinov, Laurence Olivier e Tony Curtis. 4 Oscars.

Exibido à exaustão pela TV brasileira nas décadas de 70 e 80, o filme é ambientado na época pré-imperial da República Romana, e narra a história de Spartacus, escravo cujo destino o conduziu a uma escola de gladiadores. Sempre inconformado com a escravidão, Spartacus era conhecido por sua rebeldia e insubordinação.

Durante uma rebelião fugiu da tal escola, e depois organizou um movimento que agregava cada vez mais escravos rebeldes e os escravos eram a esmagadora maioria da população na época. Spartacus liderou então a formação de uma milícia treinada segundo as técnicas que aprendera na escola de gladiadores, fazendo com que obtivessem durante muito tempo grandes vitórias sobre a poderosa e temida Legião Romana, dadas as técnicas de combate bem mais aprimoradas pelos gladiadores que lutavam sempre para defender as próprias vidas.

O objetivo do movimento de Spartacus eram um só: fugir da Itália, deixando para trás a condição escrava.

Ao mesmo tempo a República Romana vivenciava seus últimos dias: os plebeus liderados pelo Senador Graccus (Charles Laughton) lutavam pela manutenção da República, na qual poderiam manter direitos conquistados; já os patrícios estavam cansados de dividir o poder com os plebeus, e lutavam pela instauração do império, liderados pelo Senador e General Crassus (Laurence Olivier).

De início o movimento de Spartacus foi subestimado como uma corriqueira revolta que desapareceria dentro de algumas semanas, mas o Senado Republicano começou a se incomodar quando viu o movimento assumir as proporções de uma milícia e subjugar enormes contingentes da Legião Romana.

Servindo de mero joguete político nas mãos dos adversários Graccus e Crassus, o movimento de Spartacus foi enfim destruído pela união dos exércitos de Julio César, Pompeu e Crassus, quando este último dobrou a paga do contrato que Spartacus realizou com piratas que conduziriam sua milícia em seus navios para fora da Itália, além de lançar mão dos numerosos recursos estratégicos dos quais dispunha com larga vantagem sobre a milícia de Spartacus.

Final extremamente emocionante e triste, quando Spartacus se vê obrigado por Crassus a matar uma das pessoas a quem mais amava, seu companheiro e praticamente filho adotivo Antoninus (Tony Curtis) para livrá-lo do destino reservado ao vencedor: a pena capital aplicada a todos os que desafiavam o poder de Roma, a mesma que Jesus Cristo receberia anos mais tarde.

Destaque para cenas de ação, como a do combate entre Spartacus e o gladiador negro na escola de Cápua; a hilariante cena do show de prestidigitação de Antoninus no acampamento da milícia em que "prega uma peça" em Spartacus e a cena final em que a esposa de Spartacus apresenta-lhe seu filho ainda bebê que nascera em meio à batalha na qual ele havia sido preso, despedindo-se suplicando que ele morra para não sofrer, além de, é claro, a cena do massacre final da mílicia encurralada entre três exércitos da Legião Romana, após a qual os sobreviventes impedem a identificação de Spartacus por Crassus aos gritos de "Eu sou Spartacus!"

A genialidade de Kubrick, somada a não menor genialidade de Kirk Douglas que não foi só ator, mas também produtor executivo, geraram um personagem comovente e apaixonante, dotado de um profundo sentimento de ódio pela escravatura, marcado por sua rudez e ignorância, sendo ao mesmo tempo doce e humanitário, apaixonado por sua espôsa Varínea, e fiel companheiro de todos a quem amava.

Fã de Kirk Douglas que sou, acompanhei sua carreira e digo que Spartacus indiscutivelmente foi seu ponto mais alto, seguida da sua interpretação do grande artista Vincent Van Gogh.

Além de tudo isso, o mais tocante é que o roteiro, baseado no romance de Howard Fast, é inspirado na vida real de Spartacus, um dos maiores heróis de toda história da humanidade.

Quem assistiu o recente "Gladiator" de Ridley Scott (2000) perceberá marcantes coincidências entre os dois filmes, em vários pontos temáticos idênticos, tais como: tramas políticas no mundo romano antigo, escravagismo, gladiadorismo, a amizade com o gladiador negro, relações afetivas mórbidas do personagem central com a mulher amada e filho bebê, mas no meu entender Spartacus de 1960 não foi superado nem quarenta anos depois com toda a tecnologia aplicada.

Podemos até perceber uma inegável semelhança física e também em estilo de performance entre atores que representaram papéis semelhantes nos dois filmes: Laurence Olivier como o arrogante e ganancioso general Crassus em Spartacus, e Joaquin Phoenix que interpretou o mesquinho e covarde imperador Commodus em Gladiator.

Porém, tenho que admitir que os recursos tecnológicos atuais, somados às atuais tendências da sétima arte que permitem toques de ousadia mais agressivos que nos anos 60, fazem com que as cenas de ação de Gladiator obtenham vantagem em realismo e emoção sobre as cenas de ação de Spartacus. Ressalvo que, como sou nascido em 1967, não tive a oportunidade de assistir Spartacus na telona, como assisti Gladiator, e bem sabemos que na telinha qualquer cena de ação fatalmente perde em emocionalismo e realismo.

Curiosidade: os gritos da multidão "Eu sou Spartacus" na cena da derrota da milícia foram gravados durante uma partida de futebol americano no Spartan Stadium na Universidade de Michigan. A produção mobilizou 8500 figurantes.

Eu em particular tenho especial apreço por este filme que consagrou a genialidade de Kirk Douglas, tornando meus pais fãs do ator. Nem é preciso dizer qual foi a homenagem que fizeram ao escolherem meu nome. E eu me orgulho disso.

Spartacus é considerado por muitos como um dos maiores clássicos da história de Hollywood, um dos maiores épicos de todos os tempos, e para quem se interessou e ainda não viu, ou já viu e quer rever, será interessante locar as cópias e estabelecer um paralelo com "Gladiator".

Prepare-se: como nas grandes produções da época, é bem longo - 183 minutos.

Douglas Gregorio::
março de 2004.