quarta-feira, abril 20, 2005

O FLORESCER DA ROSA

RESUMO - o texto abaixo coloca a visão sobre as perspectivas do novo papado à luz da trajetória de Ratzinger, do legado de João Paulo II e dos grandes desafios da presença da Igreja na humanidade do século XXI.

"Pontífice romano, aproximar-te não convém
da cidade de dois rios.
Ali há de cuspir teu próprio sangue,
Você e os seus, quando a rosa florescer".
Centúrias de Nostradamus, II, 97. *

Chegamos ao século XXI... e o primeiro Papa do século é o líder máximo da Inquisição.

"Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé" - um nome moderno para o órgão da Igreja que já se chamou Santíssima Inquisição e Santo Ofício.

Um conclave rápido como era previsto: a saúde do Papa João Paulo II não ia bem desde o início dos anos 90, quando então a Igreja começou a se preparar para a sucessão. Toda a estrutura do conclave já estava montada desde a primeira metade da década passada; isso sem contar que desde o ano 2000 a renúncia de João Paulo II era cogitada por motivos de saúde.

Um conclave que se iniciou definido - não seria exagero pensar assim.

Após um pontificado ambígüo, onde ao mesmo tempo que a Igreja modernizou cada vez mais seu marketing usando-se das mais modernas e inovadoras ferramentas, com a figura de um Papa "pop", sempre presente na mídia, girando em torno ao mundo levando a influência da Igreja aos mais longínqüos confins da terra, sem no entanto descuidar da sua vocação conservadora guardiã da "família, da moral, da ordem e dos costumes cristãos" contra os valores "efêmeros" da sociedade de consumo e da cultura temporal. João Paulo II realizou sim um grande pontificado, e sem dúvida figura entre os nomes mais importantes da história contemporânea.

Lamentam-se os poucos avanços secularizadores da Igreja. Pais de família e mulheres não podem receber as ordens eclesiais, ministrar os sacramentos e exercer o ministério da fé. Por que? Será que por alguma questão dogmática?

Ora pois, o celibato clerical não está nas origens da Igreja. Foi imposto pelo papado no século nono, quase mil anos depois da passagem de Jesus pela terra. Por que?

Muito simples: até então, os padres legalmente constituiam famílias com espôsa e filhos. O problema ocorria quando da morte de um padre: filhos e esposas reivindicavam legítimo direito de herança - e conseguiam. O resultado é que os bens da Igreja estavam escorrendo das mãos do clero para filhos e esposas que não eram do clero de uma forma muito rápida. Tornou-se necessário "estancar a sangria" - e assim permanece até hoje.

Lamentável é a ausência do arcebispo de Milão, Cardeal Martini, que chegou a defender abertamente a ordenação de mulheres e o casamento dos padres.

Lamentável também é a ausência de um latino-americano no papado. No mundo globalizado, na era das instituições midiáticas, o quão importante seria para o desenvolvimento dos continentes ao sul do equador o reconhecimento da emergência do poder e cultura destes blocos, hoje chamados de "emergentes" dado o estigma que se formou em torno dos termos "Terceiro Mundo" e "subdesenvolvimento".

Ratzinger nos anos 80 liderou ofensivas veementes desferidas contra movimentos e tendências que se formaram nas Igrejas locais destes países, frutos das reformas do Concílio Vaticano II interpretados e adaptados num mundo pós-guerra, o mundo da "Guerra Fria", bloqueando a participação que a poderosíssima Igreja (vimos uma demonstraçaõ grande deste poder na mídia em torno dos funerais de João Paulo II) nas questões sociais defendendo posturas de cobrança da sociedade na distribuição de renda e promoção humana.

O voto de silêncio imposto ao teólogo e ex-frade franciscano Leonardo Boff (hoje casado com sua ex-secretária) representou para o mundo todo o poder atualísimo da Inquisição, não mais com torturas e fogueiras, mas ainda com forte censura, controle centralizador e o "Index" - lista negra de escritos proibidos - mais ativo que nunca.

Que a teologia da Libertação tinha lá seus equívocos ninguém nega - em especial pela dificuldade que esta tendência teológica tinha em apresentar aos fiéis de todas as classes sociais uma resposta convincente em termos da tão necessária mística exigida em qualquer manifestção religiosa. Em outras palavras, uma espiritualidade pobre, a qual apesar de se confirmar nas teorias teológicas das academias católicas latino-americanas pouco ou nada figurava na prática litúrgica, o que provocou uma migração muito grnade de fiéis para outras religiões, em especial para as seitas pentecostalistas e neopentecostalistas no caso da América Latina.

Por outro lado, nada que o amadurecimento e desenvolvimento desta tendência não pudesse superar, dados os apelos modernizantes e em especial de promoção humana e desenvolvimento que poderia promover nos blocos de países atormentados pela miséria - e podemos até perguntar: não seria isto uma atitude um tanto que evangélica?!

Ratzinger impôs nos seminários nos anos 80 um severo clima de terror; a imprensa brasileira explorou a fartar uma polêmica envolvendo o "pôster de Che Guevara", dado que em função de uma campanha de fiscalização repressora desferida pelo hoje Papa contra as casas religiosas brasileiras, seminaristas receberam a ordem de retirar das vistas dos representantes do Vaticano qualquer objeto de decoração, livros ou qualquer símbolo que pudesse fazer com que alguém pensasse que a Igreja Latinoamericana estaria se tornando uma extensão dos partidos de esquerda.

Enfim, para sermos positivos podemos fazer votos que este papado nos surpreenda. Nos surpreenda ao nos dar uma resposta até então inédita ante os desafios delineados pelo século XXI, o mundo da globalização, o mundo midiático da internet e da televisão, o mundo das novas conjunturas bélicas centradas no oriente médio e o mundo dos governos paralelos sulamericanos exercidos pelo narcotráfico. Um mundo onde a AIDS consome a cada dia que passa uma África sem perspectiva, e vários outros desafios.

Alimentando as esperanças, podemos torcer para que as tendências ideológicas reconhecidas no novo papado não se confirmem, e que tenhamos um papado cadenciado com as necessidades humanísticas exigidas neste início de século.

Apesar dos pesares, peço sua benção Bento XVI, e oro ao Espírito Santo que ilumine seu pontificado. Sem ironia e com toda sinceridade, assim o desejo.

Douglas Gregorio::
Bacharel em Filosofia e ex-seminarista da Arquidiocese de São Paulo.
Outono de 2005.

* João Paulo II visitou a cidade de dois rios, Lion, na França, mas ali nada sofreu, por que? Porque a rosa não tinha florescido ainda... ela foi florescer mais tarde, quando os socialistas - que usam a rosa como símbolo - subiram ao poder na Espanha. Então, o pontífice romano cuspiu seu sangue pelos tiros de Mehmed Ali Agca.