quinta-feira, janeiro 18, 2007

A ÉTICA NA COMUNICAÇÃO


Um comentário que começa a partir de uma definição objetiva dos conceitos de ética e moral, as principais influências em nossa cultura e o comportamento dos meios de comunicação hoje.

Ética e moral – conceitos.

A primeira vista e segundo o senso comum, ética e moral aparecem como termos sinônimos. Porém, para que possamos discutir o conceito de ética de forma mais completa, torna-se necessário aprofundar este significado do modo como ele aparece na tradição filosófica ocidental.

Vamos partir então do estabelecimento da diferença entre os conceitos dualistas bem e mal de um lado, e bom e mau de outro.

Numa prova ginasiana seríamos elogiados pelo professor de língua e literatura se explicássemos a diferença falando que os primeiros dizem respeito a substantivos, e os segundos a adjetivos.

Apesar desta significação básica e gramatical dos conceitos lançarem uma pista para aquilo no qual queremos chegar, ainda não é o suficiente.

Vamos então nos cercar nesta pista gramatical – enquanto substantivos podem ocupar a posição de sujeito da oração, os adjetivos forçosamente são predicados, ou seja, qualidades aplicáveis a determinados sujeitos.

Uma vez sendo sujeito pressupõe-se que se trata de uma entidade autônoma ao nosso conhecimento, enquanto o segundo, predicado, não tem sentido se não aplicável ao primeiro.

Assim, bem e mal estão nos domínios da moral na medida em que são aplicáveis a princípios universais da cultura que regem julgamentos e comportamentos – princípios transcendentes por independerem de situações específicas e circunstanciais para serem aplicados.

Ética, por sua vez, está no domínio do bom e do mau, da relatividade imanente ao sujeito em questão, ou seja, se efetivam em situações específicas e circunstancias.



Reflexão moral – legítima quando decorre de uma ação não coagida.

A reflexão moral, portanto, partindo do postulado acima, leva-nos à seguinte conclusão: ela surge de um acordo entre as partes que acatam princípios morais universalizando-os, pelo menos no tocante ao universo daqueles que culturalmente adotam uma codificação moral em comum.

No que diz respeito à civilização ocidental, temos então um panorama histórico de reflexões sobre a essência da moral a qual passamos a discorrer de forma resumida.

Para Platão, um dos mais completos estudiosos da cultura ocidental, a moral é aquilo que você não faria mesmo que fosse invisível.

Na idade média, os filósofos parecem ter centrado a questão ética sobre a polêmica entre vontade divina e livre-arbítrio. Institucional e politicamente o debate recaia sobre quem teria o direito de interpretação da vontade divina, debate este que antecedeu o movimento reformista e a contra-reforma.

Na modernidade, a reflexão ética recaiu sobre a universalidade das decisões morais, como podemos observar em Espinosa, Descartes, Kant e outros.

Kant desenvolveu uma teoria que até os dias de hoje, provavelmente é a mais influente: a teoria do Imperativo Categórico, que diz respeito a uma fórmula universalista de definição dos critérios morais.

Na contemporaneidade, Nietzsche colocou em cheque a universalidade dos imperativos morais; ainda mais recentemente, Adolfo Sanches Vasquez, pensador mexicano de linha marxista considerou a ética como a ciência da moral.

Enfim, parece que esta discussão iniciada na modernidade perdura pela contemporaneidade – qual o critério de definição dos imperativos morais e quem tem legitimidade de estabelecer tais critérios?!



Ética na comunicação

Sobre o tema ética na comunicação, a discussão objetiva o estudo sobre os efeitos que as mensagens exercem sobre seus receptores.

Ocorre então na comunicação hoje um procedimento de cunho pragmático: o valor moral não depende da ação em si, mas sim dos efeitos produzidos.

Um conflito na comunicação Pode-se observar entre as concepções kantianas nos quais a ação em si é julgada, e a concepção maquiaveliana, onde “os fins justificam os meios”.

Os meios de comunicação de massa exercem um procedimento de leitura da realidade onde a linha entre o ético e o cínico encontram uma tênue divisão.

Isso pode ser explicado na medida em que analisamos os procedimentos jornalísticos vigentes nos dias atuais.

O que ocorre é a filtragem que transforma a media agenda em public agenda. Media agenda trata-se de todo o levantamento de fatos encaminhados aos agentes decisores da editoração que selecionarão o que vai compor a public agenda – aquilo que será publicado.

Qual é a legitimidade que as chefias de editoração dos departamentos jornalísticos dos meios de comunicação de massa possuem para exercerem o papel de juízes que farão a leitura do real traduzida naquilo que vai ao ar, e da forma que vai ao ar: quais os ênfases, quais os enfoques, quais as prioridades, qual a distribuição e classificação das notícias?! E principalmente, quais os critérios utilizados?!

Por outro lado, existe também a postura ética do receptor das mensagens nos meios de comunicação de massa.

Uma polêmica ocorre entre os estudiosos do tema: a audiência em si assume uma postura passiva, absorvente, e vulnerável diante dos meios de comunicação de massa, ou possui senso crítico desenvolvido o suficiente para descartar e mesmo reagir a respeito daquilo que os meios procuram transmitir?!

Na verdade, esta polêmica ao que parece encontra uma solução na seguinte constatação: a de que os meios por si só não possuem poder de definir a opinião de forma absoluta, integrando sim uma rede de fatores que o fazem, mas não de forma independente e isolada.

Essa limitação dos efeitos da mídia teria uma dupla causa: de um lado, a existência de uma rede de comunicações interpessoais que concorrem na produção e principalmente na difusão de informações e, de outro, os mecanismos seletivos que cada receptor coloca em prática e que condicionam a sua exposição, atenção, percepção e retenção da mensagem recebida.[1]


[1] Barros Filho, C. / ÉTICA NA COMUNICAÇÃO / São Paulo, Moderna, 1997 – p. 127.

Matrix - A Trilogia Revolucionária.

Texto apresentado como dissertação final avaliativo do curso de Estética dos Meios de Comunicação no curso de pós-graduação lato sensu em Gestão de Comunicação sob orientação da profa. dra. Cristina Costa. - 2005, na ECA-USP. Muito mais completo e aprofundado, trás estudos sistemáticos do significado cultural e artístico de Matrix, seus símbolos e conceitos, bem como informações técnicas sobre o filme.
Por que falar sobre Matrix?

Questionamentos sobre a religião, racionalidade e ciência são temas altamente debatidos ao longo do roteiro dos irmãos Wachovsky, roteiristas e diretores.
A crítica é dividida. Alguns elogiam o debate filosófico do filme; outros dizem que a trilogia é pseudo-filosófica.
Acredito que o conteúdo reflexivo do filme é realmente exagerado dado o caráter comercial da produção. Porém, é justamente através deste exagero das reflexões que o filme apresenta ao público uma linguagem até então inédita no cinema: o espectador é preso a uma trama a qual, mesmo sem entender seu sentido, pode perceber o intenso movimento que lá ocorre, gerando assim a catarse responsável em parte pelo sucesso do filme, um bom motivo para se falar de Matrix, experiência bem sucedida de conciliação entre consumo e reflexão.
O primeiro contato – estranhamento e fascínio.

Quando pela primeira vez entrei no cinema para assistir Matrix, foi comum, ao sair, ouvir as pessoas dizendo: não entendi nada.
Nas duas seqüências da trilogia o fato se repetiu.
Julgo que estas pessoas não deixam de ter razão. Os debates filosóficos são muito densos nesta trilogia.
A pessoa que comigo estava pediu para acompanhá-la até o lado de fora da sala de projeção, pois não estava se sentindo bem.
Ao sairmos, percebi que várias outras pessoas acometidas de náuseas também se retiraram da sala de projeção. Perguntei-me: que estranha catarse seria aquela?!
O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.[1]
Parece que finalmente esta inquietação surgida nos tempos do curso de graduação haviam encontrado uma... “tradução” por assim dizer numa linguagem artística contemporânea na era da informática.
As recordações eram muitas, e senti-me tomado de um excitante turbilhão de idéias o qual dava-me a certeza de que minhas inquietações de jovem estudante não eram extravagâncias excêntricas, mas que encontravam eco numa outra instância, num outro momento, numa outra linguagem, numa outra forma de comunicar.
Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo este papel entre as mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare a esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres (...) Mas quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.
Todavia, devo aqui considerar que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos verossímeis que estes insensatos em vigília. Quantas vezes ocorreu-me sonhar, durante a noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro do meu leito?[2]
Assisti ao filme pelo menos umas cinco vezes nos cinema. No vídeo... impossível contar.


[1] Nietzsche, F. / Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extra-moral / 4ª / Trad. R.R. Torres Filho / Nova Cultural, São Paulo 1987. p. 34.
[2] Descartes, R. / Meditações / 4ª / Trad. J. Guinsburg e B. Prado Jr. / Nova Cultural, São Paulo, 1987-1988 – p. 18.
Os irmãos invisíveis.

Eles eram conhecidos apenas como "the boys", porém, os aficionados do cinema hoje os consideram “invisíveis”. São eles os irmãos Larry e Andy Wachowski diretores e roteiristas que conceberam Matrix, que assim são considerados por evitarem a imprensa o máximo possível.
A influência de Stanley Kubrick sobre os mesmos é inegável.
Os misteriosos "the boys", Larry 37 anos, e Andy, 35, em 1999, quando explodiu o fenômeno "Matrix", tinham feito "Bound" em 1996, cuja temática seria o lesbianismo.
Depois do fenômeno, disseram que não tinham nada a acrescentar aos seus filmes, que eram filmes de ação destinados "a fazer as pessoas pensar".
Filhos de intelectuais de origem polonesa, foram educados numa escola especial para alunos superdotados.
A geração à qual pertencem, legitimou aspectos da cultura sem aquela hierarquização clássica dos frankfurtianos, consumindo desde mangás japoneses até Rambo, ou ainda na perspectiva da latinidade, conciliando o sertanejo com a inserção no mundo da virtualidade iniciado com os videogames na infância – não existe diferença entre alta e baixa cultura.
Essa característica, pretenciosa e arrogante como são os adolescentes desta geração, misturou na concepção de Matrix a profundidade da filosofia ocidental clássica com a dinâmica estética dos filmes de ação hollywoodianos. Dizem eles: "Gostamos dos filmes de ação, de kung-fu, e de todos os filmes de gênero. Queremos apenas que eles sejam mais inteligentes".
O conflito entre o homem e a máquina, razão e emoção.

A trilogia Matrix – Matrix (1999), Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003) - lança mão de dois temas básicos.
O primeiro fala sobre o domínio do homem pela sua criação: a máquina.
O tema não é inédito, pois já havia sido explorado em "Blade Runner, o Caçador de Andróides", outro filme altamente filosófico, e antes ainda, por Isaac Asimov em seu clássico “Eu, robô” escrito no início da segunda metade do século XX, logo após a segunda guerra mundial, onde nos alertava sobre um provável futuro no qual as máquinas assumiriam independência com relação ao seu criador, o Homem, se rebelariam e o dominariam.
Ainda dentro do tema, é impossível não se lembrar do famoso computador “HAL” de “2001, uma Odisséia no Espaço”, filme dos anos 70 dirigido pelo consagradíssimo Stanley Kubrick, com suas imagens e linguagem alta e profundamente filosóficas, no qual HAL assume sua subjetividade e rebela-se contra aqueles que, apesar de tê-lo criado, o subjugam... sim, HAL sentiu-se subjugado, deprimiu-se, raciocinou e agiu.
O segundo tema é o da discussão sobre a nossa percepção da realidade: o que é real?
O que é real para mim, pode não ser para você...
E os nossos dementes, vivem eles num mundo irreal? Afinal de contas, não são seres racionais, assim... seriam eles humanos?!
Matrix tornou-se por assim dizer a produção americana mais influente em toda posterioridade da ficção científica, uma vez que seu roteiro mergulha o espectador num emaranhado quebra-cabeças a partir do qual as próprias dúvidas existenciais são retratadas num jogo de macrocosmo e microcosmo.
Uma tomada inédita e inovadora – a cena do treinamento – programação virtual em artes marciais, na qual Neo é congelado no ar a partir de um salto e a imagem realiza uma volta de 360 graus para que o próprio elemento passivo-sujeito do treino – Neo – observe em todos os detalhes a perfeita posição de seus membros no exato milésimo de segundo antes de desferir o golpe com seu pé no adversário – foi rememorada e copiada, plagiada e satirizada em diversas outras produções, como por exemplo, no divertido desenho animado Shrek, ou ainda num comercial de cerveja no Brasil.
Na verdade poderíamos afirmar que Matrix tornou-se modelo para todos os demais filmes de ação, ficção e aventura realizados posteriormente.
Joel Silver, produtor de Matrix chegou a afirmar que a obra é “o primeiro filme do século XXI”.
Matrix (1999) recebeu 4 Oscars – edição, efeitos sonoros, efeitos especiais e som; uma indicação ao Grammy.
Matrix – um novo diálogo.

Matrix seria um gigantesco software num mundo onde as máquinas estavam desenvolvidas de modo tal que dominaram os humanos.
As origens de Matrix foram conseqüência da crise que derivou do boom populacional somado ao esgotamento dos recursos naturais.
A energia elétrica tornou-se escassa após séculos de guerras e mais guerras, primeiramente entre os próprios homens, depois entre homens e máquinas. Assim, o alimento das máquinas, a eletricidade, só podia ser encontrada num único lugar: nos impulsos elétricos do cérebro humano. Subjugados pelas máquinas os humanos eram mantidos num coma eterno conectados a coletores de eletricidade.
Como precisavam estimular a atividade cerebral para que a eletricidade fosse produzida, as mentes humanas eram conectadas em Matrix, e passavam inconscientemente a viver dentro de um mundo que não passava de grande "ilusão virtual"... mas, até que ponto uma ilusão? Eis uma grande questão filosófica que aparece no filme.
A princípio, um sistema perfeito, tão perfeito e precisamente exato quanto os processos matematicamente racionais que geraram os postulados científicos que estão na base da tecnologia que deu origem às máquinas.
Mas o problema surgiu justamente quando alguns humanos, movidos por sua irracionalidade inerente – as emoções - conseguiam em determinados momentos perceber a diferença entre real e virtual calcados nas sensações que decorriam de tais emoções. Como este elemento – o emocional - era totalmente alheio ao “ser” das máquinas, estas por mais que se esforçassem não o conseguiam controlar.
A partir disso Matrix constituiu-se num eterno ciclo previsível de geração, existência e destruição no qual homens e máquinas, apesar de opostos e adversários, eram essencialmente interdependentes no que diz respeito à sobrevivência, sobrevivência esta que se dava no confronto eterno, onde não havia a opção de não se vivenciar tal conflito.
Como podemos ver, Platão e Nietzsche aqui se encontram em suas cosmologias: a dualidade não é descartada, pois há o mundo real e o virtual, reciclando assim as idéias de Platão sobre mundo físico e metafísico, bem como a teoria das forças de Nietzsche se faz presente: as forças constituintes do todo existente não podem não se efetivar, e se efetivam no confronto, no inevitável combate eterno, repetindo-se os ciclos em detalhes e pormenores por toda a eternidade – o eterno retorno do mesmo.
Integrantes da lógica funcional de Matrix, os humanos passariam a agir de modo desarmônico com a mesma, e aprenderam como se desconectar de Matrix para viver num mundo real, concreto. Esta é a causa do surgimento de Zion, uma grande colônia de humanos “despertos” que passaram a desenvolver uma guerra contra as máquinas.
Tais humanos seriam, dentro de Matrix, hackers que, justamente em função de suas capacidades de penetrar sistemas de segurança altamente sofisticados, foram aos poucos descobrindo que o mundo no qual viviam, entendendo que tudo o que estava ao alcance dos seus cinco sentidos nada mais eram que elementos de Matrix, entidades virtuais.
Desde o passarinho que canta, passando pela mosca que zune, os carros que estão nas ruas, os arranha-céus, as pessoas em seus postos e funções sociais, fábricas, campos e flores, animais selvagens, seus parentes, vizinhos, parceiros afetivos, enfim, o todo existente, tudo era o conjunto das entidades virtuais geradas por Matrix nas mentes humanas que aprisionava.
Isto nos lembra “O Mito da Caverna” que abre o Livro VII da “República” de Platão, no qual ele narra a imagem de humanos presos no fundo de uma caverna, onde a realidade que enxergam é somente as sombras projetadas na parede por uma luz que parte de uma fogueira que queima atrás deles. Alguns conseguem se libertar e, com muita dificuldade, escalam a íngreme saída para fora da caverna, onde a verdadeira luz, a luz do sol, lhes ofusca a vista, e precisam de tempo para se habituar a ela. Uma vez em domínio da visão proporcionada pela verdadeira luz, e por conseguinte enxergando os objetos reais tais como eles são, e não só suas sombras, retornam para o fundo da caverna e tentam conscientizar os demais que reagem violentamente, negando seu crédito ao ex-colega, dado que ele corre risco de morte justamente por atentar contra o sistema no qual estão inseridos.
Entre os líderes de Zion estava Morpheus, que libertou do coma, entre outras pessoas, a jovem Trinity e o intrépido Neo, aquele o qual Morpheus julgava ser "o predestinado" citado na profecia de que surgiria um humano dotado de especiais poderes, o qual colocaria fim na guerra entre máquinas e humanos.
Talvez, o mesmo sentido do quipá judeu e do solidéu cristão: a barreira entre o físico e o metafísico; no caso, a barreira entre o real e o virtual.Trinity, a ágil militante da causa humana, apaixona-se por Neo... tudo bem, o filme é hollywoodiano.
Outros personagens fundamentais do filme são o Oráculo, uma senhora negra que seria uma espécie de vidente, parceira do Arquiteto, um senhor grisalho representante da racionalidade máxima, ambos criadores de Matrix – racionalidade e previsibilidade, obsessões do mundo pós-moderno.
No primeiro filme o mundo de Matrix e seus personagens são apresentados. Numa das cenas mais filosóficas, Neo será apresentado ao Oráculo, um momento especial aguardado com ansiedade. É levado então ao apartamento onde vive o Oráculo, e na sala de espera conhece algumas crianças que estão sendo treinadas para desenvolverem o domínio sobre a realidade.
Um garotinho miraculosamente, segura uma colher que se contorce como se fosse de borracha e tivesse vida. Neo, impressionado, toma a colher em suas mãos... o garotinho então lhe diz: "não tente entortar a colher, você não vai conseguir. Tente, antes disso, entender como funciona a realidade, domine a realidade". No ato, Neo consegue fazer a colher entortar-se. Tal colher vai aparecer novamente no segundo filme da série, num momento muito simbólico, pouco antes de Neo partir para uma batalha com as máquinas... enviada pelo mesmo garotinho, já adolescente.
Neste segundo filme, Matrix Reloaded, o mais profundamente filosófico dos três, Neo descobre seus poderes de predestinado, e percebe o quão longe eles podem ir, por causa do elemento emoção, que as máquinas não podem controlar.
No terceiro, Matrix Revolution, ocorre o Armagedon, a batalha final entre homens e máquinas. Nele, as máquinas começam a disputar o poder entre sí, tendo de um lado a Fonte, de onde todas as demais máquinas partiram, e o agente Smith, o principal inimigo de Neo, que assumiu o papel de um vírus ambicioso que contaminou toda Matrix e conseguia igualmente contaminar humanos, multiplicando-se, estabelecendo algo como uma ponte entre o mundo de Matrix e o mundo real, e uma ameaça para humanos e máquinas.
Neo, é jogado para dentro de um espaço intermediário, entre a lógica racional das máquinas e a emotividade humana, onde vai descobrir que Smith nada mais é que seu pólo oposto Este “hiato” é retratado no filme como o metrô, onde trens estão circulando e levando quem lá se encontra para diversos tipos de lugares... realidades.
E é neste mundo que ocorre a eliminação de programas e demais elementos considerados obsoletos na constante evolução de Matrix.
A questão ética da dualidade platônica, a luta entre o bem e o mal, aparece no caso de Merovíngeo, personagem retratado como um "playboy bom vivant" dado aos prazeres da carne como luxo, bebidas e mulheres, que na verdade é um dos mais antigos programas de Matrix que sobreviveu pela força de sua ganância.
Merovíngeo ambicionava dominar o mais possível outros programas menores, ampliando o controle sobre porções cada vez maiores de Matrix; portanto, perseguia Neo que era uma ameaça aos seus planos. Merovíngeo insistia demais em controlar as relações de causa e efeito, e era o único que tinha o poder de retirar Neo do espaço intermediário no qual foi aprisionado; a causalidade vencida pelo acaso, uma contenda tão explorada na obra de Nietzsche no final do século XIX. Tanto era assim que Merovíngeo usava como um dos recursos para sua proteção, na mansão na qual vivia, diversas portas que, quando abertas, jamais dariam acesso ao mesmo lugar. Por exemplo, uma mesma porta era aberta num momento e dava acesso a um shopping center. Se fechada e reaberta no mesmo instante, poderia dar acesso aos alpes suiços, e assim sucessivamente, totalmente imprevisível – a imprevisibilidade do acaso que Merovíngeo usava para se defender da previsibilidade de Matrix.
Por exemplo, no segundo filme, o diálogo entre Neo e o Arquiteto, onde a lógica mecanicista de Matrix e a questão das emoções e do livre-arbítrio são confrontadas, é simplesmente impossível de ser compreendida por pessoas que não tenham sólidas noções de filosofia acadêmica. Porém, é a cena mais esperada do filme, onde a expectativa é a de que Neo se confrontaria na batalha final com o elemento central do controle de Matrix.
A mitologia e a religião – símbolos, signos e metáforas.

Como bem diria Joseph Campbell, assim como em Star Wars repete-se em Matrix a estrutura da psique imprescindível à sua compreensão – o mito, no caso, a saga do herói.
Neo é estranhamento convidado a conhecer Morpheus, o mestre que lhe abre as portas da percepção. Comodamente colocado em sua rotina cotidiana, a ele é colocada a opção de tomar duas pílulas: a azul ou a vermelha. Esta última simplesmente o faria esquecer o presente encontro e ele retornaria à sua velha rotina; a segunda, por sua vez, lhe abriria as portas da compreensão para algo totalmente novo, mas o mestre advertiu: o risco era alto. Mas ele decidiu correr o risco, seduzido pela vontade de saber, bem como por estar enfastiado com o tédio de sua rotina – o desafio: se há algo a ser vivido,
este então será meu objetivo.
O abandono de nossas certezas em busca de verdades mais úteis e abrangentes.
Uma constante busca por nossa auto-realização. Neste sentido, buscamos uma voz, um poder que, capaz de enxergar adiante, nos conforta com segurança ao indicar se o caminho que estamos tomando é o certo ou o errado. As previsões do Oráculo. E não é à toa que Jung tanto os estudou, pois na busca da auto-realização, acabamos por seguir caminhos nos quais sentimo-nos inseguros quanto à nossa capacidade de chegar até o final.
Se os oráculos nos dão respostas obscuras, temos de considerar que a nossa pergunta, via de regra, também é muito obscura. E atentemo-nos – a pergunta certa contém a resposta em si. Tanto que Neo insiste na pergunta: “sou o predestinado?!” e a resposta é “Você ainda não está preparado”. Não se trata de uma negativa, mas de uma afirmativa.
O verdadeiro conhecimento é comparável à dor, pois implica em enfrentar o que se teme. A Luz ofusca aos olhos do prisioneiro que se liberta da caverna de Platão.
Poderes estranhos, dons inimagináveis, realização de prodígios – Neo é o messias, o predestinado... ou seria o “além-do-homem” de Nietzsche?!Pendendo ao viés religioso, é impossível não perceber o messianismo presente no papel e missão de Neo. Representante de um povo humilhado e perseguido, é nele que repousam as esperanças da redenção. Ele possui dons, possui poderes os quais nenhum de seus semelhantes possui – apesar de ser um deles.
O sonho cartesiano presente nos eixos das abcissas e coordenadas – o universo entendido e vivenciado através das equações matemáticas – em Matrix, o metafísico transcende para o virtual, o qual por sua vez se sobrepõe ao real, e com este funde-se. Recordemos uma das cenas finais de Matrix Revolution, quando Neo se depara com a Fonte, que lhe diz: “não precisamos de mais ninguém” – os humanos já não interessavam à máquinas, e Neo já havia percebido a realidade de Matrix desde seu diálogo com o Arquiteto em Matrix Reloaded – a busca da estabilidade de Matrix , as opções que lhe são colocadas em função do emocionalismo humano.
Assim, ocorre a efetivação de uma transcendência entre o físico e o metafísico, aparentemente resolvendo um dos maiores conflitos da mente humana. Um sofisma?
Os mais entusiastas têm dito muitas vezes que este é um filme do futuro: pelo tema (uma sociedade dominada por computadores), pelo sentimento tecnológico que perpassa em todos os seus elementos, enfim, pela tecnologia dos (assombrosos) efeitos especiais. Não pretendo desmentir tal dimensão, mas gostaria de contrapor o que há de assumido primitivismo bíblico em Matrix. Ou seja: o modo como a aventura possui uma fortíssima componente religiosa que se poderia formular através de uma interrogação expectante: que é o outro quando todas as formas de relação passam, já não pelos gestos humanos, mas pelas operações das máquinas? Ou ainda: que sentido faz falar de espírito quando tudo acontece num espaço que já não é físico, mas virtual, sem deixar de ser afectivo e carnal?[1]
Ao assistir Matrix, ocorre na catarse, entre diversas outras sensações, a de se estar inserido num grande videogame: cenas de perseguições e tiroteios, transposição de fases, efeitos de câmera lenta e outros efeitos especiais.
Particularmente, a já comentada cena do treinamento de Neo mostra-nos uma interessante metáfora: como a realidade de Matrix é irreal, pode-se viver nela como se estivesse jogando um videogame de realidade virtual. Assim, com a ajuda de programas de computador específicos conectados ao seu cérebro, Neo aprende em poucos minutos a lutar kung fu, pilotar aviões ou mesmo a pular edifícios. Nada de mais, já que é como se ele estivesse jogando um videogame.
As leis da natureza, como por exemplo, a leis da física, em Matrix são reduzidas à condição de meras ações imaginativas primárias com o objetivo de iludir... mas em Matrix esta ilusão pode destruir – a fronteira é tênue... ilusória – virtual é real e vice-versa.
A realidade é criada e recriada, destruída e construída a cada momento, numa dinâmica cosmológica dentro da perspectiva da física quântica – os minúsculos quantadinâmicos em constante combate entre si – a força não pode não se efetivar, e se efetiva sempre no combate – como diria Nietzsche.
Alguns críticos dizem que Matrix poderia ser ainda mais grandioso se optassem por outro método de filmagem que não o que foi utilizado: o Super 35.
O Super 35 é um processo destinado a obter um formato alargado no ecran de cinema, mas a permitir uma maior facilidade de transferência vídeo, nomeadamente reduzindo a perda de imagem. O processo não é um verdadeiro 'scope', pois não usa lentes anamórficas. Filma-se uma área de aproximadamente 1.6:1, e depois seleciona-se uma seção para as cópias em formato 2.35:1, que serão feitas do mesmo modo que as cópias scope convencionais. Ao contrário do Panavision, que usa todo o negativo, o Super35 desperdiça quase metade, perdendo o correspondente em definição, já que ambas as imagens vão ser projetadas em écrans do mesmo tamanho.
Para vídeo, possivelmente a principal a razão de ser do sistema (apesar de se preferir pontualmente por razões técnicas específicas), abre-se a imagem cinematográfica ou corta-se - como no pan and scan normal -, consoante o interesse de quem controla o sistema. Os efeitos especiais nunca usam toda a área, por motivos economicos, e são sempre cortados convencionalmente para a cópia vídeo. Isto é, “Reservoir Dogs”, um filme sem F/X, tem informação redundante na cópia de écran cheio, e muito pouco será cortado lateralmente (que se note sem comparar lado a lado com a composição original), enquanto que “Terminator 2” ou “True Lies” terão muitas sequências maciçamente cortadas.
O grande impulsionador do sistema é atualmente James Cameron, e é ele próprio que coordena a transferência para vídeo dos seus filmes. Quando filma visualiza de imediato dois enquadramentos. Faz "dois" filmes ao mesmo tempo. Afirmou mesmo que preferia a versão pan and scan de “O Abismo”. Outras fontes esclarecem que se referia à excelente definição da cópia.[2]
[1] Lopes, J. in: www.cinema2000.pt
[2] Explicação técnica do sistema Super 35 extraída do site Cinedie: http://www.cinedie.com/glossario.htm#super35
A catarse de Matrix... também seria virtual?

Virtual ou não, fato é que o espectador de Matrix, gostando ou não, jamais esquece a catarse positiva ou negativa que o afetou naquele momento – mais uma característica estética da trilogia, a qual poderíamos chamar sem temores de “interação virtual” – identidade e repulsa são constantes no intrincado movimento mental provocado pelos irmãos Wachowsky o qual dificilmente num primeiro momento vai definir-se como “entendimento” do filme.
Como poderíamos então compreender o porque de um filme o qual os espectadores reclamavam ao final de nada entender, ser um extraordinário fenômeno de bilheteria, tornando-se imediatamente uma obra “cult” na abertura do século XXI?
Talvez seja justamente este aspecto que lhe confere uma bizarra beleza formal, um charme por identidade na era da informática.
Novos padrões de sensibilidade nas novas gerações se desenvolvem. E os irmãos Wachowsky conseguiram conceber uma leitura deste fenômeno com maestria ao criarem Matrix.
Nisto reside sua beleza formal – a interação entre todos os elementos da obra: roteiro, atores, direção, fotografia, espectador e outros, conciliando a sensibilidade racional com uma nova sensibilidade virtual, onde a contradição não é vista como negativa, mas sim como simplesmente indefinida – virtual e real são uma e a mesma coisa... e ao mesmo tempo não o são.
Trata-se do desenrolar do saber racional, tão cultuado pelos iluministas, diante das dificuldades de respostas que a razão não consegue apresentar às angústias humanas, e a insensibilidade que a matematização renascentista da natureza agressivamente coloca e a civilização industrial adotou como necessária. Em outras palavras: decadência.
Fontes de informação.

Dentro do espírito de Matrix, as fontes de informação e referências utilizadas para a construção deste trabalho são baseados em textos disponíveis na Internet.

http://www.criticanarede.com/meta_matrix.html - site de “Crítica – revista de filosofia e ensino” - exibe um longo artigo versando sobre as hipóteses filosóficas presentes em Matrix: “A Matrix enquanto hipótese metafísica”, de autoria do professor David Chalmers, da Universidade do Arizona, traduzido por Luís Estevinha Rodrigues. Leitura obrigatória para quem tem dúvidas quanto ao caráter filosófico da obra.

http://www.cinepop.com.br/moviepop/matrix2.htm - Cine Pop - exibe uma série de informações sobre a trilogia, curiosidades, críticas, informações técnicas, números, comentários etc., incluindo um excelente texto-guia das reflexões filosóficas presentes em Matrix.

http://www.cinedie.com/the_matrix.htm - Cinedie - site de comentários de cinema, apresenta um completo e rico comentário sobre Matrix.

http://www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=224 – Cinema em Cena – o site apresenta um extenso e rico comentário de Matrix Reloaded em todos os seus aspectos: técnico, filosófico, artístico, financeiro e outros, trazendo excelente guia de explicação filosófica das reflexões de Matrix e um interessante fórum de discussão dos internautas.
http://www.cinema2000.pt/ficha.php3?id=135 - Cinema 2000 – o site português exibe toda uma série de apreciações, comentários e críticas profissionais e amadoras sobre Matrix.

http://whatisthematrix.warnerbros.com/ - site oficial da trilogia, obviamente o mais completo de todos, com imagens, trailers, informações diversas, inclusive uma coletânea com um diversos artigos filosóficos desenvolvidos por acadêmicos.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u33318.shtml - Folha online - o artigo de Sérgio D´Ávila intitulado “Doutrina Bush contamina irmãos Wachowsky em “Matrix Reloaded” aponta para uma suposta influenciação conservadora e neoimperialista no referido filme da trilogia.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Matrix - site português de caráter educativo e enciclopédico, exibe consistentes informações sobre a trilogia em forma de verbete, com links para todos os conceitos.

http://hps.infolink.com.br/peco/mid09a.htm - o link exibe um artigo muito rico e consistente de Ricardo Kelmer, analisando a trilogia à luz de conceitos da psicologia.

http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/matrix/critica04.html - Adoro Cinema - exibe uma consistente e rica crítica amadora do leitor Marcos Abrucio.

http://www.atarde.com.br/especiais/matrix2/producao.php - site do jornal bahiano “A Tarde” que exibe uma interessante crítica sobre Matrix.